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Capítulos Iniciais

Um sonho – Viver de Dança

Introdução

A Dança e Eu

A dança, a mais antiga das artes e resistente a tantas mudanças da humanidade, segue, mais expressiva do que nunca, em toda a sua contemporaneidade, mantendo-se assim uma arte sempre “jovem”. Subdivide-se em muitas vertentes, as quais nos dão a oportunidade de escolhermos por quais destes caminhos desejamos seguir enquanto dançarinos.

Esta arte manteve-se tão viva que conseguiu evoluir de forma muito natural através dos tempos, chegando até seu patamar mais improvável, que é “ser vendida”. Ela já foi sagrada, já foi herege e hoje consegue ser comercial também, o que nos dá a oportunidade de ser um profissional nesta área, claro, após muito estudo.

Neste caminho, de sagrada a comercial, chegamos sem atropelos. A dança faz parte da história da humanidade e por isso está presente tanto dentro de uma igreja quanto num movimento político. Em nossos dias, é presença acadêmica, extraclasse, franquia, folclore de regiões, religiosa e muito mais, mas em todas as suas faces ela traduz a expressão de um artista e por isso ainda não é vista com a necessidade de formação universitária. Nas universidades há a formação em dança, mas isso não nos habilita exatamente a ensinar a dança.

Para “selar” este aprendizado, precisamos do aprofundamento em técnicas específicas que envolvem determinada modalidade (ou quantas desejar) e, por isso, muitas vezes, se faz o caminho reverso: primeiro escolhe-se a modalidade e dedica-se; após, vai-se em busca da formação em dança (que abrange diversificados assuntos da área, de forma científica e artística).

A fim de englobar todas as modalidades de dança que conhecemos, fiz questão de, neste livro, não escrever através da visão de uma professora de Dança do Ventre, pois, como uma verdadeira amante da arte da dança, sempre observei todos os profissionais das outras modalidades que atravessaram majestosamente meu caminho e, sem dúvida, aprendi muito com todos eles.

Meu entendimento sobre o que realizo como professora de dança só foi possível após compreender que eu fazia parte do conceito de uma “formação livre”: a dedicação a uma modalidade específica, uma vertente de ensino “não formal”, que é muito aceita na área da dança e que, no meu caso e em milhares de outros, resulta no empreendedorismo em dança, através de estudos especializados para se manter no mercado, mesmo não possuindo graduação. Meu “eu dançarina” existe e sempre resiste, como uma raiz que me sustenta, mas Viver de Dança é o que me move todos os dias, desde que decidi fazer disso a minha profissão. Para dançar, eu estudo; para empreender na dança, eu luto todos os dias, principalmente para não ser soterrada pela avalanche de um mercado muito crescente que todos os dias aposta em mais e mais vertentes, fazendo da dança não somente uma arte, mas um negócio promissor e repleto de possibilidades.

Eu escolhi meu caminho quando percebi que me sentiria realizada ao trabalhar minha vida toda com dança, mas, uma vez feita essa escolha, precisei observar muito para saber como construí-lo com solidez e ter consciência de que infelizmente não poderia contar com muita ajuda ou aconselhamentos (alguns dos motivos pelos quais escrevi este livro).

Muitas coisas me marcaram, me ensinaram positivamente e ainda fazem parte da minha construção diária na dança como empreendedora. Um dos muitos fatos marcantes, eu preciso contar para você. Em 2011, fui chamada para fazer uma entrevista de trabalho numa academia muito conceituada na minha cidade, com mais de 45 anos de atuação (onde atuo como meu polo central até hoje). Uma vaga havia sido aberta pela antiga professora, e uma aluna me indicou para preenchê-la. Me ligaram, e eu fui, mesmo que já tivesse minha escola, pois dar aulas lá era uma grande oportunidade. Quando cheguei, fui recebida pelo dono da academia que falou: “Agora, sim, apareceu uma professora com o perfil da Dança do Ventre!” Fiquei surpresa e feliz ao mesmo tempo e, ao longo da conversa, ele comentou que uma das pessoas que havia ido fazer a experiência como professora, havia dado a aula com uma calça jeans e um sapato de salto (segundo ela, era assim que fazia na sua “outra modalidade”). Foi aí que eu percebi que o perfil, na verdade, é uma postura, uma conduta que você vai adquirindo ao observar e absorver aquilo que é o mais adequado.

Assim, vamos conseguindo construir um perfil, preferencialmente “o perfil certo”. E o perfil empreendedor precisa dessa postura. Foi esse aprendizado que me fez garantir a vaga e não somente isso: conquistei também a confiança do dono da academia, conhecido por ser uma pessoa muito exigente quando se fala em trabalho.

Agora, sim, se a sua vertente é a mesma que a minha, pegou o livro certo! Estou torcendo para que você possa ter neste livro tudo aquilo que seja capaz de ajudar você a Viver de Dança com muita paixão por esta arte e garra no empreendedorismo!

Eu e a Dança

Meu primeiro contato com a dança foi num concurso. Eu devia ter uns seis ou sete anos e, na Associação de Moradores da Vila dos Ferroviários, em Porto Alegre, onde eu morava, foi organizada uma grande festa de carnaval.

Na ocasião, haveria disputas em que jurados escolheriam quem sambava melhor, inclusive disputa mirim. Eu certamente não sabia como aconteceria tudo, nem como se sambava. Aliás, não sei como foi decidido que eu iria, só sei que minha avó fez para mim, em uma tarde, um tutu de tule azul e pregou nele pequeninas lantejoulas cor-de-rosa pink e um bustiê bordado igual. E eu fui concorrer! Sem saber nada de nada, eu concorri!

Eu estava perdida e comecei a sambar bem longe dos jurados, num corredor de pessoas imensas (sim, imaginem minha altura) e eles apontavam, me mostrando onde era o real lugar que eu deveria me apresentar, mas o tempo acabou e eu sambei ali mesmo. É claro que não ganhei o concurso, mas também não fiquei com traumas da situação porque lembro disso com leveza e diversão (apesar de hoje pensar que poderia ter sido mais organizado porque envolvia crianças).

Quando lembro dessa minha experiência, incrivelmente tão viva na minha mente, eu me dou conta do quanto sempre fui metida a fazer coisas para as quais eu ainda não tinha preparo. Também defini desde quando vem minha paixão por competições, afinal minha primeira vivência de dança, na vida, foi competindo!

E hoje, aqui, escrevendo para você, mais uma vez penso nas coisas que fiz sem medo algum, mesmo não sabendo os resultados. Deixo o receio de lado  e dou espaço ao fato de que quero muito dividir e compartilhar minhas ideias e caminhos e, mesmo que eu esteja atravessando um caminho que não conheço, o de escrever, vou dizer tudo o que acredito ser importante para você.

Espero que este livro possa ser um guia de consulta, um carinhoso manual, o qual, cada vez que você se sentir com medo ou em dúvida sobre seu caminho, você possa consultá-lo.  Que ao lê-lo, sua vontade ou mesmo na sua já profissão de Viver de Dança você possa enfim tomar coragem e viver o seu sonho profissional, com a consciência de que muitas questões surgem no nosso percurso, mas é como na arte: aceitamos as possibilidades através de muita reflexão, que logo viram expressão, que logo viram dança!

Meu segundo contato com dança não foi muito legal, não. Também na Vila Ferroviária, só que desta vez em outra cidade: Cruz Alta (filhos de ferroviários entendem bem o que era mudar de cidade a toda hora).

Aos dez anos, fui com a minha mãe numa academia da vila para ela buscar informações sobre a ginástica que ela queria começar a fazer naquele local. Quando cheguei lá, tinha um grupo na sala de dança, todas de rosa, fazendo ballet na barra. Eu nunca tinha visto isso ao vivo e naquela mesma hora pedi para minha mãe me inscrever. A resposta foi negativa, mas não lembro por quê. Logo, sonho desfeito.

Então, de Cruz Alta só lembro que eu inventava passos de ballet em cima da cama e chamava minha mãe para olhar, na intenção de conquistar um ingresso àquela aula dos sonhos. Mas hoje, adulta, sei por que não fui inscrita. Meu pai, ferroviário, e minha mãe que eventualmente trabalhava em lojas como “balconista” (não sei se hoje se usa este termo), certamente tinham aquela visão elitizada do ballet e que isso “não era pra mim”. Nos anos oitenta, dançar ballet era “coisa de rico”! Inacessível de se assistir num teatro e mais ainda, impossível de fazer.

Eu gostaria de saber se ainda há esta visão, porque hoje as coisas mudaram muito! Aulas desta modalidade são oferecidas por valores bem acessíveis em associações de bairro e muitas vezes até gratuitamente através do trabalho de professores voluntários das comunidades.

Enfim, mudamos para Canoas, ainda nos anos oitenta (eu já estava com doze anos), mas desta vez ficamos um pouco mais longe da Vila Ferroviária (sim, toda cidade tinha o “Quadro Ferroviário e a Rua dos Ferroviários”).

Viemos morar num bairro novo, um residencial, onde meus pais realizaram o sonho da casa própria. E o que havia bem na frente da minha casa? Duas irmãs, bailarinas “de verdade”. Pronto: era agora ou nunca que eu viraria uma bailarina. Uma delas veio com a mãe na minha casa convencer minha mãe a me deixar fazer as aulas. Elas davam aula e eram alunas de uma das mais renomadas professoras da cidade.

A negociação até que estava indo bem, andando positivamente, até o momento em que elas passaram a lista das roupas que se utilizava em aula. Collant, saiote, sapatilha, meia-calça, coque, tudo aquilo fez com que minha mãe desistisse. Acho que não foi somente pelo valor que ela iria gastar (e recém havíamos comprado uma casa em Canoas), mas também por toda a responsabilidade que iria exigir ter uma filha bailarina em casa. Neste momento, meu sonho foi por água abaixo e então definitivamente esqueci das aulas de ballet.

Como em qualquer cidade, as academias de Canoas ofereciam modalidades de danças não tão caras, que não necessitavam de investimento em roupas especiais para participar das aulas e então fui fazer aulas de danças diversas. Preciso, antes de tudo, contar para vocês que, sim, depois de adulta fui fazer aulas de ballet com uma aluna minha que, quando cresceu, abriu sua própria escola. Eu fiz até apresentação de grupo adulto com ela nesta modalidade. Também dei aula de ballet (Baby Class) numa escola particular, onde tive até treze alunos numa turminha com idade de três a seis anos e foi um dos trabalhos mais maravilhosos que fiz na vida!

Então posso dizer que consegui me realizar no ballet, em especial quando fui trabalhar com essas crianças. Após aquela experiência, percebi que hoje temos uma mente bem mais aberta e criativa, tanto pelo fato de eu liberar um figurino improvisado para as apresentações quanto para ter um menino na turma, incentivado pelos pais, além da magia incrível de ensinar crianças que ainda não sabiam falar, mas que já tinham em suas vidas a oportunidade de conhecer uma das mais antigas formas de expressão que é a dança.

Depois fui fazer teatro, trabalhei com feiras de Tarô, onde me envolvi com muitas pessoas e expressões de arte, até chegar, em 1998, na Dança do Ventre. E esta é a dança que me trouxe todas as experiências e aprendizados que vim aqui compartilhar com você. Poderia ter sido o ballet, mas o universo conspirou por outros caminhos sem jamais me tirar do meu real objetivo e propósito de realização social e profissional: a dança. O reconhecimento que tenho hoje na minha cidade foi conquistado através de um trabalho com muito foco e seriedade, levando a Dança do Ventre ao seu patamar máximo quando se fala em arte por aqui.

No ano de 2021, recebi uma homenagem de reconhecimento pelo meu trabalho em minha cidade. O evento aconteceu no Dia Internacional da Dança e foi uma grande emoção. Por isso, agradeço a todas as pessoas que me ajudaram, incentivaram ou me inspiraram nesta caminhada.

Contei minha história para você ver quão tortuosa e cheia de obstáculos pode ser a realização de um sonho, mas acredito “no que tiver que ser, será”. Neste momento você pode pensar que não tem como seguir este caminho de Viver de Dança pelo fato de não receber apoio da sua família ou porque não vê possibilidades financeiras de investir no seu sonho, mas se você for ousado e, por que não, “metido”, nada vai lhe desviar da sua realização pessoal!

Neste livro eu tento deixar claro que tudo é possível e até sem grana! Foi assim comigo, numa época em que tudo era muito pior. A geração de hoje tem mais caminhos e possibilidades pela frente. O que não podemos deixar acontecer é que se destrua um sonho, porque nós sabemos que quem ama dançar tem, lá atrás, uma história de vida ligada a isso, uma história que foi tão intensa que, em seu momento presente, insiste em virar uma profissão.

Eu só não queria ser mais uma escritora para falar em “ganhos e investimentos” porque sei que o que você precisa ouvir é muito mais do que isso. Num país que constantemente vive em crise econômica, não ter dinheiro deveria ser motivo para nos impulsionar e nos reinventar, porque ficar esperando “ficar rico” para viver seu sonho, não dá. Ninguém vai construir isso para você e neste livro eu quero ajudar você neste caminho, para que ele seja menos difícil e mais encorajador do que o meu no início.

E foi por eu não desistir que estou aqui contando isso pra você e contando com você para levar sua arte adiante, vencendo as adversidades e construindo um belo palco rústico com as pedras que encontrar em seu caminho.

E precisamos, sim, da consciência de que uma formação acadêmica, ou o famoso “canudo”, é importante para um sucesso profissional, mas não pode jamais deixar atrás das coxias, ou sentado na plateia, uma pessoa que não possui poder aquisitivo para bancar uma universidade privada, ou que em algumas vezes, passa na universidade pública, mas não possui sequer uma renda adequada para o transporte e demais custos para os dias de aula.

A dança esteve ao alcance da humanidade desde os primórdios, quando surgiu como uma das primeiras formas de expressão do homem e, hoje que ela evoluiu tanto a ponto de ser uma profissão, não podemos simplesmente elitizá-la. O acesso deve estar ao alcance de todos, tanto para quem deseja ensinar quanto para quem deseja usufruir dessa arte, independente de seu poder aquisitivo.

Eu poderia, enfim, ficar aqui falando, chamando você para a linda “vocação” do seu sonho em ser professor de dança, mas foi pensando em dar mais valor a esta carreira que te convido para empreender dança! Você está pronto para irmos juntos rumo a esta aventura?

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