
Capítulos Iniciais
Sentir & Pensar
Um Pouco de Mim
Quando criança, era um menino quieto e observador que gostava de entender e tinha nisso meu refugio. Na infância fazer amizades era difícil para mim. Meus amigos de infância eram todos através do meu irmão, seja com o esporte ou no prédio onde morávamos, com quem passávamos o tempo jogando futebol, brincando e disputando campeonatos de botão. Depois da infância num colégio interno, pela primeira vez com treze anos, amadureci um pouco e fui feliz com as amizades que fiz, nos laços afetivos que foi e que tive com esses amigos.
Eu adorava andar descalço pelo gramado, pela natureza, e via isso como normal e natural. Algo que gosto muito e faço até hoje. É uma sensação de liberdade de aberto e de afeto e proximidade com o chão que toco, a grama em que caminho e o ar que respiro ao ser e viver uma maneira de ser humano e ao mesmo tempo, humano e animal, e eu gosto disso.
Vivi no Rio com minha família até os onze anos de idade, depois fui viver nos Estados Unidos por dois anos, o primeiro ano no subúrbio de Nova York, onde jogava futebol pelo timo do bairro e fui feliz em vivenciar, como menino, o que era ser um jogador de futebol num campeonato organizado, onde às vezes até participávamos de torneios, nos hospedando em hotéis, e tendo um sabor da vida de algo que, na época, sonhava em ser quando adulto.
No segundo ano, nos mudamos para Manhattan. Gostava muito de andar de patins pela cidade. A calçada era feita de um cimento liso que possibilitava e facilitava essa brisa de felicidade e independência que me fazia sentir a energia da cidade na velocidade dos patins.
Depois nos mudamos para Inglaterra, onde estudei numa escola com alunos de todo mundo que queriam ingressar ou vivenciar o ensino Inglês. Foi nessa escola que tive meus primeiros amigos e comecei a ser e a me virar em ser e cuidar do meu eu como ser, em me ver e de mim mesmo cuidar. Tive muitos momentos felizes nessa escola, me lembro muito quando íamos para o vilarejo comprar um típico prato inglês ‘fish and chips’, (peixe frito com batatas), o que era proibido pela escola, pois ela fornecia todas as nossas refeições. Foi especialmente bom, depois do medo do suspense se algum professor nos veria comprando nosso jantar, voltar para o quarto de um de nós e rir, despreocupado e feliz, de fazer algo errado e aproveitar a refeição diferente daquela de todo dia que a escola fornecia.
Depois disso, ingressei no ensino médio de outra escola, também interna. Foi nessa escola que acho que me tornei muito do que sou. Foi ali que me formei como pessoa, como garoto e como o inicio de minha fase adulta. Gostei muito do ensino, mesmo sem, com grande frequência, tirar notas boas. Academicamente e socialmente, não aproveitei tanto quanto podia; mas fui grato pela oportunidade de estar ali e aprender numa forma de ensinar que muito me ajudou e com a qual muito me identifiquei.
Depois disso, fui para faculdade, no Nordeste da Inglaterra. Foi um primeiro ano de universidade normal e comum, com muitas noitadas divertidas e coisas desse tipo, e dessa fase. Um pouco antes do meio do ano, conheci e formei um grupo de amigos que rimos muito e passamos muito tempo juntos, com quem tive momentos felizes e vivenciei um alívio da minha solidão e o que parecia, ao menos para mim, exílio da vida e do mundo.
No segundo ano, troquei minha disciplina acadêmica por Filosofia. Achava que tinha certeza de que era isso que queria estudar, comecei lendo Platão, com alguns dos diálogos Socráticos. Achei brilhante e estimulante, mas fiquei perdido na matéria de lógica, que fazia parte da disciplina de Filosofia.
Alguns meses depois, acho que no fim do primeiro ou começo do segundo semestre, tive um surto. Começou como uma ampliação de minha percepção de tudo a minha volta, na voz de alguém que falava, eu achava que reparava as emoções e sentimentos contidas nas frases e via dentro de seu ser e de sua história. O que parecia ser não só de quem falava, mas do humano como um todo. Foi como se algo se abrisse, como se a ponte entre o consciente e o inconsciente fosse quebrado, ou partido, e vivenciei uma invasão desordenada dos sentidos, dos sentimentos e dos pensamentos. Foi incrível e horrível, hoje vejo como algo que talvez pudesse me recuperar mais rápido, porém como algo que seria inevitável em algum momento. Eu era um menino fechado para dentro de mim, e o surto me puxou para fora e com uma força grande.
O surto em si não demorou muito tempo, talvez um pouco mais de uma semana ou por aí. Porém o rastro de vivências profundas de questões arrebatadoras, complexas e difíceis; demorei muito tempo para recuperar. Tinha dificuldades de compreender, organizar e traduzir o que via, sentia, pensava e vivia.
Adler um psicanalista proeminente em sua época e contemporâneo de Freud e Jung, porém hoje, menos conhecido; acreditava que havia sempre na vida de todo mundo em algum ponto de sua infância, alguma vivência que o marcava e que, de alguma maneira, aquela experiência determinaria muita coisa da vida dessa pessoa, daquele momento adiante. É como se em algum momento, em descobrir o mundo, nós mesmos e nessa mistura e desenvolvimento que acontece simultaneamente; temos alguma experiência em que nos deparamos com nós mesmos e o mundo, de maneira inevitável e forte. Quase como se nesse momento os dois, o mundo e nosso eu que existiam em nebulosidade e misturas; fica, por alguma razão, discrepante que existe ‘eu’ e existe o ‘mundo’ e devido a o que for essa vivencia e ciência de nós mesmos, como um ‘eu’ e o mundo como sendo o que é, e entendemos o que é e como é esse mundo, ao menos até esse ponto de nossas vidas; nessa vivencia especifica em que acreditava acontecer, em algum momento na infância de todos, precisamos fazer uma escolha. Uma escolha da relação entre nosso eu e nosso mundo e a partir disso muito de nossas vidas dali adiante é em grande parte definida como percurso de vida para o resto de nossas vidas.
Por muitos anos tentei descobrir se isso era e foi verdade para mim. Pensava em varias situações, ocorrências diversas. Às vezes, algo que foi um pouco um choque, algo difícil ou marcante, e várias vezes acreditei ter achado o que possivelmente poderia ter sido esse momento. Mas a verdade é que acredito que apenas recentemente descobri qual foi esse momento para mim. Ao escrever esse livro tive que fazer uma grande busca dentro de mim, e muito do que eu acho e acredito. Para ser franco, era uma memória de minha infância como algumas outras que sempre tive e lembrava; mas tive grande dificuldade de reconhecer, admitir e assumir para mim mesmo que, sim, tive um momento assim e que agora sei qual foi.
Mudei muito de colégios na infância, num dos primeiros, que tenho como memória, quando devia ter algo como seis ou sete anos de idade; me recordo que a turma toda foi para o terraço do colégio. Lá a professora começou a ler um livro para toda a turma, e aquele momento, seja por qual for a razão, acredito, com grande confiança e grau de certeza, que tenha sido esse o momento. Me lembro claramente de algumas coisas, uma era que a história que a professora contava demorava e demorava, olhava para o lado e via meus colegas de turma meio interessados em ouvir a história sendo lida. Mas algo ali me frustrou muito, parecia ser claro que, de alguma maneira, aquela história e livro que a professora contava devia haver algo bonito e um significado importante contido nele. Mas ela virava página depois de página e a historinha não acabava. Não conseguia entender o porquê de algo que possivelmente fosse um tesouro tão importante a ser compreendido, e dito, e ensinado, não poderia apenas ser dito de maneira clara e normal; em vez de ficar aquele tempão ali escutando e escutando aquela história do livro.
Olhei para o lado para ver, ou tentar perceber se algum colega de turma pensava também assim, mas todos pareciam, de alguma maneira, menos ou mais que outros interessados na história; mas eu não conseguia. Me lembro olhando para os prédios de frente e ao lado do colégio, tudo parecia ser como conhecia. Mas, por alguma razão, eu acreditava que alguma coisa estava errada. Como se o mundo não houvesse chegado num ponto onde a certeza era mais clara e a felicidade mais fácil.
E agora? Foi realmente um momento forte para mim, lembro até que me levantei e fui sentar sozinho a alguns metros de distancia da turma. Naquele momento pude perceber duas coisas muito claramente; uma que essa vida seria uma em que eu teria que ajudar o mundo, seria uma vida de trabalho e trabalhar para isso acontecer. A outra coisa, que ficou muito clara para mim, era que toda vida e todo mundo quer, no fundo, viver e aproveitar a vida como viver.
Isso, para mim, ficou discrepante porque sabia que não poderia fazer isso, ao menos não nessa vida. Essa vida seria e teria que ser uma de trabalho e, por mais difícil que tenha sido isso, essa clareza e decisão, eu a tomei e dali para frente, sabendo, ou não, consciente, ou não, minha vida toda, ao menos até hoje, foi exatamente isso que percebi e pude perceber naquele momento. A escolha que fiz delineou o curso da minha vida dali adiante.
Daquele momento adiante, minha quietude e solidão de alguma maneira ganharam algum significado e talvez até propósito. Olhando de hoje para trás, era como se eu passei a viver com trinta ou quarenta por cento do meu ser e meu foco para com a vida real e cotidiana e o resto de mim, imerso nesse mundo interno e paralelo em tentar entender e descobrir como poderia ajudar. Esse mundo interno e paralelo dentro de mim foi ganhando espaço em minha vida e cada vez mais eu mergulhava dentro de mim nesse mundo interno e paralelo de tentar entender o mundo.
Na adolescência comecei a compreender que haviam dinâmicas na vida, previsibilidades e algo como estruturas. Por meses e meses pensava e tentava fazer sentido disso e o que isso queria dizer. Comecei a questionar e me indagar mais e mais; até que um dia, pensando em voz alta, tive um grande momento de virada da minha vida, e da minha história. Percebi e compreendi que tudo dependia da realidade e que existia uma realidade. Meu objetivo por tanto, daquele momento adiante, estava definido. Por mais difícil que era e poderia ser, meu foco seria tentar entender a realidade e assim, acreditando, se conseguisse, qualquer coisa seria possível.
Tive uma família incrível, e isso acredito tenha sido algo do destino ou muita sorte. Que me acolheu muito e, embora possa ter sido ou parecido um pouco diferente, me aceitou e me ajudou e me protegeu.
Duas irmãs corajosas e um irmão que foi sempre um herói para mim e, muitas vezes, um horizonte. Um tio que morou conosco na infância e parte da adolescência, que, além de amigo, sempre foi o motivo de risadas sem fim. Ao brincar de ser o tio inglês atrapalhado, nos faz rir e rir por horas e dias, que passavam como minutos e segundos.
Minha mãe é, ao limite do possível, sonhadora e, também, idealista. Meu pai é a pessoa mais centrada que já conheci, aprendi bastante com o seu exemplo e sempre pude contar com ele. Para mim, ainda mais em momentos de desespero, era, e sempre será, ao longo da minha vida, um porto seguro.
Juntos meu pai e minha mãe me deram um equilíbrio incrivelmente necessário, sobretudo quando fiquei frente às dificuldades que tive. Minha mãe tinha uma característica que hoje vejo como grande qualidade: de fazer de tudo algo um pouco ‘Disney’, especialmente o Natal; era sempre incrível, com a árvore linda e decorada, velas por toda a sala e música, que levantava ainda mais a energia daquele dia e momento. Era quase possível inalar o respiro daquele ar, mas com certeza era possível sentí-lo. Minha mãe me ensinou muito, e me olhou, e me viu, e assim fui visto, o qual permitiu me ver também, ao mesmo tempo em que pude continuar a jornada do meu próprio olhar.
Particularmente, para mim, em ter e contar com apenas algo como trinta/quarenta por cento do meu ser para conviver no mundo de todo mundo, essa característica e qualidade dela foi para mim algo essencial e que muito me ajudou em de alguma maneira fazer da vida um pouco de ‘A vida é bela’. Isso me protegeu e me acolheu e me permitiu com mais segurança que com toda certeza precisava para seguir adiante no que era meu maior foco e vontade.
Para mim, quando o surto aconteceu foi uma bagunça, uma mistura de tudo e de muita coisa. A realidade mais bruta de que alguma forma também sabia que existia, batendo na porta, ruptura de consciência e inconsciência; como também o que parecia ser dentro de mim uma explosão com meus trinta, quarenta por cento do meu eu e ser ativo de convívio e a totalidade de meu ser que tentava de vez se unir como um só ser, mente e pessoa.
Tive dezenas de surtos que foram sempre difíceis, tomei vários remédios, e fiz terapia com várias pessoas diferentes, a todos por quem sou muito grato. Um surto é algo desesperador e sou grato, também à medicina de nossa época e à psicanálise como um todo.
Acredito que, com esse livro, consegui satisfazer e aquietar essa busca de toda uma vida diante da escolha que tive, e que fiz, desse momento, ao menos no que para mim e dentro de mim é suficiente.
O meu primeiro surto ocorreu em 2001, comecei a escrever esse livro no inicio de 2018. Foram quase vinte anos de surtos e suas consequências. Onde eu tentei, da melhor maneira que pude, fazer sentido do que vi e vivenciei. Vejo esse livro como se, com ele, uma etapa da minha vida se encerrasse. Aqui tentei dizer o que entendi dentro e fora dos surtos que vivi.
Prelúdio
Acredito que a vida se mantém, se contem e se constitui a partir de quatro elementos: a matéria, o sentir, o pensar e a consciência. É desses quatro elementos e forças e possibilidades que a vida existe, e se perpetua em sua existência e em sua perpétua existência.
Onde o sentir é da alma e é mais fácil entender assim, perante o romanticismo, do que entendemos e enxergamos como alma. Porém o pensar também o é da alma. Ambos são da alma, e são seus instrumentos valiosos em se organizar, se situar, agir, reagir e para além do horizonte enxergar, e nos ajudar a ver, entender e viver. Onde em nossos corpos; os dois, o sentir e o pensar adequam seu respiro e exercitam seus viveres em harmonia, com a estrutura do nosso corpo e as possibilidades estruturais inerentes dele, de nele e através dele existirem.
Onde nosso desafio é viver no mundo material, o tendo como real, pois o é, e ao mesmo tempo entender sua interação com a consciência. Onde aqui temos ambos e ambos existem dentro de uma relação, que com tempo entenderemos mais sobre essa relação e a nossa relação como vida e forma de corpo, dentro desse parâmetro de matéria – consciência; dentro, também, do corpo, no qual existimos, que inclui através do corpo, os sentidos, os instintos e nossos impulsos naturais.
Aqui a vida que existe dentro do mundo da matéria, no físico que inclui, nosso biológico, interage e existe em parceria com a consciência. Onde a consciência, ao menos até onde se é possível saber, existe a partir do mundo físico dentro de uma relação entre ambos que discutiremos mais a fundo. O que parece ser certo, é que os dois, a matéria e a consciência existem, e é para consciência que parece estar apontando o caminho do futuro. Não em negar o mundo físico ou nosso corpo biológico, que também faz parte de nosso mundo físico. Em vez disso, é proposto que abracemos nosso físico e nosso viver nele e também aprender a nos relacionar e relacionar com o mundo da consciência através do físico, dentro da forma de nosso corpo e da matéria que compõem o mundo físico como um todo.
Aqui, falarei de cada elemento de forma especifica. Me permiti, também falar de maneira mais ampla dentro desses quatro elementos, além de também falar e procurar entender cada um especificamente.