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Capítulos Iniciais

Quando eu era Sophie

CAPÍTULO 1

A Sociedade

Naqueles tempos a produção e a venda de café era o meio mais lucrativo na Europa. Além daqueles que nasciam da alta nobreza, havia pessoas importantes que frequentavam as festas da corte, como os grandes produtores e suas famílias, cujo tratamento era o mesmo dado aos de sangue real.

Em maio de 1894 nasceu Sophie, uma menininha com bochechas rosadas, cabelos castanho-claros, olhos verdes e brilhantes. Ela era a primogênita da família Fontana, tratada como uma princesa desde a barriga da mãe.

Fontana era uma família do ramo do café, cujo progenitor, Sr. Manuel, era fabricante em Ravena, uma pequena província da Itália. Ele comandava a maior fábrica de café moído da região.

A mãe de Sophie, Sandra Fontana, era uma esposa amorosa; dona de casa dedicada e exemplar, cuidava da filha, do casarão e do jardim de tulipas como um tesouro precioso.

Os pais de Sophie eram muito felizes, viviam em harmonia e tinham um ótimo relacionamento com a filha.

Sophie tinha três anos quando o irmão Philippe nasceu. Sandra, sua mãe, teve hemorragia e faleceu após o parto.

Desde o nascimento de Philippe, a menina mudou seu comportamento: tornou-se mais madura e zelosa por todos, principalmente com o irmãozinho. Os dois cresceram juntos, se tornaram grandes amigos e guardavam os segredos um do outro.

A morte de Sandra deixou um grande vazio em Manuel que, após o incidente com a esposa, passava mais tempo na fábrica do que no escritório em casa.

A família Fontana era afortunada, possuía muitos bens e diversos empregados. Na casa tinha uma governanta, duas cozinheiras, três faxineiras, dois jardineiros e um cocheiro. A fábrica contava com duzentos funcionários e na fazenda mais de quinze pessoas trabalhavam para cuidar da horta e dos animais.

O Sr. Fontana tinha um sócio. Ele se chamava Roberto Parmore e era casado com Rosemary, a Duquesa de Ravena, com quem tivera dois filhos.

Em 1901, Roberto Parmore teve um enfarte e morreu. Assim, o filho Augusto passou a ser o sócio de Manuel no lugar do pai.

Apesar da diferença de idade, Manuel e Augusto se tornaram grandes amigos. Formado em Direito e História Geral, o rapaz era como um filho e conselheiro do Sr. Fontana em quase tudo. Ambos cuidavam juntos dos negócios da empresa e saíam para caçar aos finais de semana.

Augusto havia se casado com Eulália, uma linda moça que tinha a pele pálida, cabelos loiros levemente ondulados e olhos azuis.

Eles não pareciam muito felizes no casamento, pois a esposa andava sempre encerrada dentro de casa e as más línguas diziam que ele era muito ciumento e a maltratava.

Sophie estava com sete anos de idade e Augusto vinte e um quando se viram pela primeira vez. O dia estava ensolarado. A menina caminhava pelo jardim, cantarolando e observando os pássaros.

De longe, Sophie avistou aquele estranho que se aproximava, galopando em seu cavalo negro até chegar ao rol de entrada do casarão. Imediatamente, a menina interrompeu sua cantoria e observou à espreita, atrás de uma árvore, o homem descer do animal e ser recepcionado por Manuel com um aperto de mão.

Augusto tinha olhos castanhos, um bigode e cavanhaque, seus cabelos pretos, curtos e lisos. Possuía um porte altivo, jovem, mas autoritário, que o deixava com cara de mais velho.

Sophie estava fascinada pelo animal. Movida pela curiosidade, seguiu os homens até o escritório, à espera de ser notada pelo pai.

Manuel observou a curiosidade da menina e apresentou o novo sócio para a filha e vice-versa.

- Esta é Sophie, minha primogênita. Este é Augusto, filho do falecido Sr. Parmore e esposo de Eulália. Ele será meu novo sócio e vamos fazer uma reunião no escritório.

Ambos se olharam, mas Sophie permaneceu calada.

Augusto observou o acanhamento da menina e disse:

- Prazer em conhecê-la, Sophie. Tenha um bom dia. Você parece uma menina esperta e realmente linda, como seu pai disse.

- Agora preciso que você nos deixe a sós, querida — Manoel concluiu.

Depois da apresentação, os homens entraram no escritório e a menina voltou ao jardim.

Daquele dia em diante, Sophie Fontana jamais esqueceu do momento em que Augusto Parmore entrou em sua vida. Um homem misterioso, montado em um grande cavalo negro, que se uniria aos negócios do pai.

CAPÍTULO 2

A Infância de Sophie

Um belo dia, Sophie estava brincando de esconder com seu irmão Philippe. Augusto entregou seu esconderijo sem perceber que estavam brincando.

— Bom dia, menina, o que você está fazendo aí? Levante-se e não seja travessa — Augusto falou, estranhando a posição de Sophie atrás de um cômodo.

Philippe aproveitou a oportunidade para ganhar a brincadeira. Sophie irritou-se e saiu correndo para o jardim. Ela não perdoou a atitude de Augusto, e desde então, passou a evitá-lo.

Alguns anos depois, Sophie estava com treze anos e gostava muito de ler. A maioria dos livros que lia falavam de aventuras, amizades e romances. A leitura a encantava. Ficava imaginando aquelas histórias em sua cabeça, pensando se um dia elas aconteceriam em sua vida.

No escritório de Manuel ela encontrava muitos livros, mas a menina passou a ter medo de entrar lá quando Augusto estava por perto.

Sophie sentia repulsa misturada com vergonha. A verdade é que ela fazia de tudo para não encontrá-lo, mas sempre esbarrava no homem. Era muito estranho o que a presença de Augusto fazia com a menina. O coração de Sophie disparava e o desespero tomava conta do seu corpo sempre que      Augusto se aproximava; o medo a paralisava e ela não conseguia dizer nenhuma palavra. Parecia uma barata tonta.

Quando Sophie queria ler um novo volume, era Philippe quem entrava no escritório de Manuel, subia na escada e pegava os livros para a irmã.

O escritório ficava à esquerda de quem entrava pelo grande salão, tinha quatro prateleiras recheadas de livros, como em uma biblioteca.

Manuel nunca proibiu os filhos de ler, mesmo sabendo que lá existiam livros inapropriados para crianças. Ele dizia que, mais cedo ou mais tarde, eles teriam que descobrir a verdade das coisas, então por que privá-los de tais descobertas e aventuras?

Um dia, Philippe trouxe para a irmã um livro de romance, de Constantin Sauté, seu nome era "O Faroleiro". Ele contava a história de amor entre uma viúva e um homem que cuidava do farol. Sophie ficou encantada com a história do livro, porque os sentimentos daqueles personagens passavam de medo e ódio para uma paixão avassaladora. Pela primeira vez, compreendeu o que era o amor.

A menina completou dezoito anos e Manuel realizou uma grande festa de aniversário para apresentá-la aos jovens da alta sociedade. No início do século, as moças eram preparadas para o casamento e para a vida familiar. Os valores cultivados na família italiana levaram à valorização das mulheres que, a despeito de obedecer ao marido, eram vistas como o alicerce fundamental e o trabalho doméstico como uma virtude.

Nesse período, Sophie ainda era uma moça pura e inocente; tinha a pele rosada e um sorriso cativante; seus cabelos eram longos, castanhos e ondulados, um pouco abaixo da linha da cintura.

Philippe conduziu a irmã até o grande salão e dançaram a primeira valsa. O vestido de Sophie balançava para lá e para cá como um sino. Ela estava sendo notada por todos os jovens solteiros. Augusto, apesar de disfarçar muito bem, também observou sua beleza.

Mais tarde, um rapaz estudante de medicina e ainda outro, capitão do 23° distrito da cavalaria, também convidaram Sophie para dançar a segunda e a terceira contradanças. No entanto, ela ainda não tinha se apaixonado por ninguém.

Naquela noite, Augusto permaneceu na companhia de Eulália, que estava no início da gravidez. Sophie observou o comportamento deles. O homem acariciava a barriga da esposa com carinho e pareciam felizes.

A festa chegou ao fim e a aniversariante permaneceu sem pretendentes. Manuel, notando o desinteresse da filha por aqueles rapazes, resolveu enviá-la, uma semana depois, para um internato, onde poderia aprender religião, literatura e boas maneiras. Por este motivo, a amizade entre Philippe e      Sophie foi se distanciando e ela não tinha mais com quem trocar segredos.

No internato, Sophie conheceu sua tutora Genevieve Stewart. Ela era uma mulher requintada, discreta, mas de muito bom gosto. Seu estilo era contemporâneo. Gostava de fazer as coisas com perfeição e permitia que a menina caminhasse em sua companhia.

Todos os dias, Sophie aprendia coisas sobre Deus e suas obras. Também aprendeu a tocar piano, a se comportar em público, a se vestir adequadamente e como se sentar sem parecer vulgar.

Genevieve foi quem se tornou a melhor amiga de Sophie. Durante os próximos anos, elas faziam tudo juntas. Trocavam segredos e experiências.

A tutora notou que a menina aprendera rápido sobre todas as coisas da alta sociedade. Mas também observou que ela não teria sucesso com a religião. Se tornar uma noviça não era o seu futuro.

Segundo Genevieve, Sophie era apenas uma moça de coração puro e sensível, que ainda não se apaixonou por ninguém. Nesse sentido, a avaliação da tutora estava certa.

Sophie não pensava em compromissos e buscava nos estudos uma maneira de diminuir a saudade de casa.  Com o passar do tempo, a menina conseguia atingir seus objetivos e estava tão focada em literatura e pesquisas que nem se lembrava dos momentos da infância.

Augusto continuava ocupado com o crescimento da filha, Suzane. Ele estava muito feliz com o aumento da família e menos presente na casa dos Fontana.

Nesta época, Manuel deu lugar ao filho Philippe, para que ele participasse mais dos seus negócios e Augusto ficava diretamente dentro da fábrica dando ordens.

Philippe passou a participar de acordos, realizava pagamentos e fazia cobranças de impostos, mas ainda não podia assinar os papéis e documentos em nome de seu pai.

Sophie era a filha mais velha, mas Manuel tinha receio em deixar os negócios da família em suas mãos. Segundo ele, uma mulher não era capaz de administrar uma empresa. E como ela adiou a decisão de se casar, ele resolveu que seria melhor passar esta função para Philippe.

Um dia, os Fontana receberam uma notícia terrível. Eulália, a esposa de Augusto, havia adoecido e faleceu repentinamente. Sophie apenas ficou sabendo que a doença foi rápida e os médicos não puderam salvá-la. Augusto ficou viúvo. Ele teria que cuidar sozinho da filha pequena.

Suzane tinha dois anos nessa época, era loirinha de olhos azuis como Eulália. A pobrezinha sofreu muito, era muito apegada à mãe. No enterro, a menina estava quieta, agarrada a uma de suas bonecas preferidas.

Depois que a mãe faleceu, Suzane parou de se comunicar. Augusto fez de tudo para confortá-la, mas a menina ficou tão triste que apenas apontava as coisas e não queria mais falar e nem comer. Na verdade, todos ficaram muito tristes pela perda de Augusto. Ele sempre foi muito próximo da família Fontana.

Sophie sentiu compaixão por Augusto, pela sua perda tão repentina. Ela retornou do internato para o enterro, mas depois acabou voltando.

A morte de Eulália ainda era muito recente quando Augusto viajou para a França, para uma casa de campo com sua mãe e sua filha.

Por mais que se afastasse do lugar onde viveu com a esposa, o coração de Augusto não conseguia se acostumar com o novo clima da França. Ele ansiava por encontrar uma nova esposa, um amor infinito, alguém que o amasse tanto quanto ele pudesse amar, um amor correspondido.

Quando fechava os olhos, Augusto ainda sentia o cheiro, o toque, o doce murmúrio da voz de Eulália em seus pensamentos. Mesmo enfrentando a tristeza, ele se mantinha de pé porque o que existia em seu coração era puro, forte, imaculado até.

No dia em que Eulália partiu, ela levou consigo o amor e a felicidade que existia no coração de Augusto. Ele já não era a mesma pessoa, não tinha o brilho no olhar, seus pés não caminhavam mais guiados pelos sentimentos e as palavras que saíram da boca de Eulália, no dia anterior à sua morte, marcaram ainda mais o coração do marido. Era um segredo que ele guardaria para sempre.

Augusto era um homem ferido, esperando chegar a hora de encontrar, nos braços de outra mulher, um novo amor puro e verdadeiro. Estava determinado a esquecer Eulália e a casar-se logo.

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