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Capítulos Iniciais

O Mistério do Picolé

Palito de Picolé

— Que delícia esse novo sabor, né? Já provou? — disse Joca, com a boca colorida.

— Gosto mais do meu, vou comer bem devagar para durar mais — respondeu Pedro Enrique, enquanto caminhava seguido por Dúzia.

Andavam os dois amigos combinando as próximas brincadeiras. Quando chegaram na praça, tinham só os palitos. Uma última lambida e Pedro Enrique esfregou os olhos.

— Joca! Joca! Olha aqui! Tem uma mensagem no palito do meu picolé — gritou o menino.

Joca se aproximou, pegou o palito e girou.

— Ah! Está querendo me enganar, não é? Não tem nada aí, não!

O menino olhou de novo e leu a mensagem:

“Venha! Estamos esperando você!”

Joca se afastou para jogar bola com os amigos da rua, e Pedro Enrique seguia vidrado no palito.   Olhou para os lados procurando uma resposta. Dúzia brincava com um graveto atirado pelo dono.

O menino esfregou os olhos, mas a mensagem continuava ali. Pensou no vendedor e no picolé que escolheu, o único daquele sabor. Enfim, lembrou da frase que ouviu do vendedor ao pegar o picolé:

— Já vi que você gosta de aventuras.

Na hora parecia brincadeira, daquelas coisas ditas para fazer graça ou puxar assunto. Mas agora começava a fazer sentido.

Pedro Enrique sentou no vai-e-vem. Dúzia começou a lamber o palito enquanto seu dono tirava o calçado. O menino sempre brincava com os pés descalços. Tirou as meias, afundou seus dedos na areia e aproveitou para sentir a massagem na pele. Quando levantou a cabeça, ele e Dúzia não estavam mais na praça.

Perdidos na Praia

Pedro Enrique deu um passo e seu pé afundou na areia, que era muito mais fofa do que aquela com que estava acostumado. Sentiu o cheiro de maresia que o vento trazia. Olhou para a água cristalina na qual se podia ver os peixes caindo nas ondas.

Dúzia brincava na beira, latia para o mar e corria faceiro.

Não era a mesma praia que Pedro Enrique costumava ir com os pais. Olhou para os lados, não havia ninguém. A praia parecia não ter fim. Atrás deles via-se apenas a mata.

— Uma ilha deserta? — pensou em voz alta.

Para sua surpresa, Dúzia respondeu sorrindo:

— Boa pergunta. Não sei onde estamos, mas é um lugar muito legal.

— Dúzia, você falou? — perguntou o menino, muito espantado.

Dúzia ficou tão feliz por ter sido compreendido que começou a abanar a cauda, deu dois latidos e respondeu na maior animação:

— Eu sempre falo e, dessa vez, você entendeu!

— Como isso é possível? —Pedro Enrique tentava encontrar uma explicação.

—Não sei o que mudou, mas gostei. — respondeu o cão enquanto se sacudia e lambia o menino.

Neste momento, um grupo de crianças passou. Corriam pela areia e empinavam pipas de diversos formatos: guarda-chuva, papagaio, losango, sol, caixa e asa delta.

Dúzia correu atrás deles, Pedro Enrique achou que seria uma boa ideia fazer o mesmo; afinal, não importava para onde estavam indo, qualquer lugar seria melhor que ficar ali sozinho.

Uma menina com cara de sapeca percebeu a movimentação dos dois, abriu um sorriso e fez um gesto com a cabeça para que eles se juntassem ao grupo.

Um pouco à frente, tão logo as pipas alcançaram uma boa altura, pararam. A menina perguntou para Pedro Enrique:

— Por que você não tem pipa?

Pedro Enrique não soube responder, foi Dúzia quem o fez:

— Nós acabamos de chegar.

— Você sabe como podemos voltar para casa? — perguntou Pedro Enrique.

— Não sei onde você mora, nem como voltar, mas como vocês pretendem sair daqui sem pipa? — perguntou a menina.

— Por que precisamos de uma? — indagou Pedro Enrique.

— Porque todos fazemos tudo com elas – ela disse.

Dúzia e Pedro Enrique se entreolharam. Percebendo que eles não haviam entendido, ela gritou para os outros:

— Ele não tem pipa!

Todos se viraram instantaneamente, começaram um verdadeiro interrogatório para entender por que aquele menino não tinha uma pipa, e como ele conseguia viver sem. Decidiram ajudá-lo. Dariam a ele uma das suas; todos tinham pipas reserva em casa. Mas Pedro Enrique teria de merecê-la.

As crianças dividiram-se em três grupos de quatro integrantes para apresentarem enigmas a ele. O primeiro grupo era o da menina com quem ele havia conversado. Foi ela quem perguntou:

— Quantas são as horas dos ponteiros?

Pedro Enrique lembrou-se do velho relógio analógico da parede da cozinha e respondeu:

— Doze.

As crianças bateram palmas. Passaram para o próximo grupo:

— Quando olha para frente, também olha para trás. Em Roma era o deus da mudança, do começo e do fim, agora é o mês da esperança e das promessas.

Dessa vez ele não tinha a menor ideia. Foi Dúzia quem se lembrou de ter assistido um documentário: era o deus Janus que tinha duas caras, uma de cada lado da cabeça. Teve serventia assistir TV deitado nos pés da vovó.

— Janeiro — respondeu Dúzia, afinal este era o mês em que terminava um ano e começava o outro e que todos faziam promessas de ano novo.

Nova salva de palmas indicou que mais uma vez ele estava certo.

Por fim, o último grupo perguntou:

— Em que país foi inventada a pipa, pandorga ou papagaio?

— China — respondeu Pedro Enrique.

Como havia sido prometido, já que o menino respondeu corretamente a todas as perguntas, as crianças lhe deram uma pipa brilhante em formato de sol. Ao entregar, a amiga de Pedro Enrique disse:

— Use-a como seu guia, empine-a e ela indicará o caminho.

Pedro Enrique pegou a pipa e correu, mas ela não levantou voo.

— Você deve correr contra o vento — gritou um menino.

Pedro Enrique tentou de novo, mas não deu certo. Ficou chateado. Pensou até em desistir.

Dúzia percebeu a dificuldade do amigo e quis ajudar. Segurou a pipa deixando-a virada para Pedro Enrique, contra o vento. A linha solta. Quando o vento soprou mais forte, Dúzia a soltou e o menino saiu correndo. A pipa ficou no céu.

O menino despediu-se das crianças e seguiu seu caminho acompanhado de Dúzia.

De repente, a pipa caiu. Pedro Enrique e Dúzia correram até ela e, ao lado do objeto, estava um homem sentado em seu barco. Era uma embarcação diferente, usava pipas em formato de guarda-chuva no lugar das velas.

— Você pode me levar para casa? — perguntou o menino.

— Só posso levar aonde a minha pipa mandar — respondeu o barqueiro, que tinha um rosto familiar, embora o menino não conseguisse lembrar de onde o conhecia.

Pedro Enrique achou que isso era melhor que nada. Ele e Dúzia entraram no barco, o homem segurou as pipas em formato de guarda-chuva e a do menino se entrelaçou com uma delas. Juntas apontavam a direção que o barco deveria seguir.

E o barco levantou voo.

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