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Capítulos Iniciais

O Caminho: Mãe e filho – Uma superação pela Fé

Algumas palavras

   A ideia do meu livro partiu de uma vontade muito grande de mostrar para as pessoas o quão maravilhoso é o amor de Deus por nós. Mostrar o que o amor é capaz de fazer em nossas vidas e quantas mudanças cada novo dia pode trazer, se andarmos de mão com a fé. Quero gritar alto e em bom tom a cada um que enfrenta uma grande dificuldade: Mesmo nos dias mais difíceis, creia. Ele está contigo.
   Sempre quis ser mãe. Nascida em uma cidade pequena, de uma família de poucas posses, tive toda a minha formação humana embasada no amor e na solidariedade. Sonhava em ter uma família como a minha. Éramos quatro: meus pais, eu e meu irmão.
Vim para Porto Alegre recém-casada e aqui aperfeiçoei meus interesses nas belas artes e decoração de interiores. Dons surgiram em minha vida como bênçãos, através do prazer de cantar, através da inspiração para escrever músicas e de um inesperado impulso que me direcionou a pintar quadros a óleo. 
   Eu sou uma artista plástica, compositora. Amo o que faço e vivo rodeada de amigos em cada canto desse mundo. Curto as tradições gauchescas e amo cheiro de manjericão, pois me transporta à fazenda dos amigos de meus pais, eu pequenina roçando meu vestido no manjericão para ficar cheirosa todo o dia. Amo me enfeitar, cuidar de mim e conviver com pessoas interessantes. 
E assim vivo uma vida de plenitude, na qual os meus dois filhos são meu oxigênio:  o Guto, nascido em 1974, e o Leo, nascido em 1978. Eles são minhas joias que cuido com o zelo que aprendi com meus pais. Deus me deu esse privilégio.
   São meninos do bem, ambos brilhantes advogados, cada um com sua trajetória de muito estudo e dedicação a tudo que se propõem a fazer. Saudáveis e alegres, enfeitam a tela da minha vida com pinceladas de cores vibrantes e quentes.
   Sabe aquelas pessoas que deixam uma marca bonita na alma dos outros?
   Sou do tipo que vive de peito aberto: acordo; um café; uma oração e já saio bem faceira a curtir, com muita gratidão, o que a vida me oferece.  Jamais tive a experiência de uma tragédia no meu caminho. 
   Jamais, nunca, em nenhum momento da minha existência, pensei que seria visitada pela brutalidade e crueldade. Sei que o imponderável nos espreita a cada esquina. Vivi momentos de tristeza como a perda de entes queridos cujos ciclos de vida foram encerrados no seu tempo, vivi todos os altos e baixos de uma pessoa comum que luta por uma vida melhor. Passei por tudo isso sempre conversando com Deus, pedindo força e sabedoria para enfrentar as agruras, os reveses e as pedras do caminho.
   A fé permeia todos os meus atos, porque as metas são nossas, mas os planos são de Deus. Nem sempre entendemos os planos Dele, no entanto, a Sua soberania está acima de nossa vontade.
   Se alguém me dissesse que eu passaria pelo que passei, que teria que mover montanhas, dia após dia, paulatinamente, que enfrentaria apuros tateando entre conhecimentos da ciência médica e minhas fortes crenças espirituais, por meses, por anos, eu diria que não conseguiria, não teria forças. Eu, a antiga Irene.
   Hoje, eu, a nova Irene, conto neste livro uma história de superação sobre o meu filho Guto, Deus e eu.

Da brutalidade à desesperança

A força de dentro é maior. Maior que todo mal que existe no mundo.
— Caio Fernando Abreu

Era um sábado à tarde, dia 4 de maio de 2013. 
O Guto tinha 38 anos de idade. Ele faria nos próximos dias uma sessão de fotos para uma publicidade, em função de seus trabalhos esporádicos como modelo. Quando ele aparecia em campanhas de outdoors eu pegava o carro e rodava a cidade perseguindo sua imagem — coisa de mãe, curtindo meu lindo, meu menino. 
Vaidoso, disse: “Mãezinha, tô indo na Redenção pegar um sol porque vou fazer umas fotos com umas modelos e preciso estar bronzeado.”
Sempre foi muito competente em tudo que fazia. Já havia comprado uma camionete importada que tanto desejava e há quatro meses morava na sua cobertura no bairro Cidade Baixa, adquirida com os frutos de seu trabalho como advogado. Ele tinha me dito um tempo atrás: “Vou batalhar muito e vou comprar uma cobertura, mas eu quero bem perto de ti, para eu sentir o cheiro do teu feijão e ir correndo comer na tua casa. É só me chamar.”
Aí eu disse: “Vai lá”, usando as palavras do meu pai, “corre atrás do teu sonho, busca o que é teu porque competência não te falta.”
Eram 4h da tarde. Ele colocou fones de ouvido, um chinelão, pegou cuia, garrafa térmica e foi matear no parque. Como morador da Cidade Baixa, a Redenção era como o quintal da sua casa.
Eu fui para o salão me arrumar — vaidosa, como também sou.
Guto caminhava próximo ao minizoo por volta de 5h30min da tarde quando, conforme o testemunho de um morador de rua, foi atacado por trás. O agressor imobilizou-o com uma “gravata” no pescoço e, em seguida esfaqueou-o na zona da cabeça e fugiu.  Uma facada foi cravada na testa, em cima do supercílio direito, e a lâmina atingiu profundamente o cérebro. Um amigo dele passava pelo local e o identificou pelo tênis — óculos, documentos e relógio caídos ao seu lado.
Graças à ajuda de dois PMs que chamaram a Samu não houve o óbito.
“Foi um trauma profundo”, os médicos nos disseram no Pronto Socorro. “Vocês devem estar preparados para tudo.” 
Eu lembro de Guto me contar, dias antes, que ele e o agressor haviam tido um desentendimento. Eles frequentavam a mesma academia, e o Guto reparou que Rodrigo, o agressor, portava uma faca. Ele imediatamente reportou o fato ao dono da academia e ambos solicitaram a este que não mais portasse a faca no recinto da academia, pois o local não era adequado para isso. O Guto, como advogado, como cidadão do bem, aconselhou-o sobre as implicações de tal ato. Ele ficou furioso e marcou o Guto. 
Rodrigo Borges Pereira foi preso duas semanas após o crime e condenado a doze anos de prisão pelo júri popular, por tentativa de homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e com recurso que impossibilitou a defesa da vítima), após três anos aguardando julgamento na prisão. 
De acordo com a Polícia Civil, o agressor, com 37 anos de idade na época, tinha ficha extensa por ameaças e agressões e respondia por um fato muito parecido com esse, um ano antes, quando tentou matar um colega de trabalho.
Foi solto cinco anos depois.
A vida de Guto sofreu uma transformação brutal de forma trágica. Na verdade, a nossa vida sofreu esta transformação, a vida dos familiares e dos amigos.
Ele foi submetido a uma operação de emergência no Pronto Socorro, que durou aproximadamente três horas. Eu fiquei grudada na porta do bloco da cirurgia implorando a Deus que não levasse meu filho.  No dia seguinte ele foi transferido para o Hospital Mãe de Deus, onde permaneceu por três meses em coma e o total de quase um ano internado. Guto recebeu excelente tratamento, com os modernos meios que o hospital dispunha, e foi assistido por uma equipe médica altamente qualificada. 
Em março de 2014, teve alta. Para qualquer mãe, o fato de seu filho ter alta após quase um ano de hospitalização deveria ser celebrado. Não foi uma celebração para mim. A volta de Guto para casa foi uma realidade assustadora, como contarei em detalhes nestes relatos.

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