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Capítulos Iniciais

Guerra dos Gaudérios

Introdução

    O gaúcho tem uma história política muito rica e de extrema importância para o Brasil. Um dos seus principais levantes, a Revolução Federalista, marcou veementemente a província no final do século XIX.     Os chamados maragatos, liderados por Gaspar Martins, descontentes com a situação de um governo centralizador, afirmavam que lhes era usurpada a autonomia da região. Os maragatos eram identificados pelo lenço vermelho em volta do pescoço.
    Do outro lado, havia os chimangos. Representavam a situação, apoiada por ideias positivistas de Augusto Comte, através das quais detinham maior centralização de poder e controle de impostos. Os chimangos, também conhecidos como pica-paus, alegavam que com a República havia maior justiça aos desfavorecidos, uma vez que o Império, anterior à República, defendia o trabalho escravagista.
    Tanto parte do governo republicano federal, recém-formado em 1889, quando foi proclamada a República, quanto parte do governo de Júlio de Castilhos, do Partido Republicano Rio-grandense, representavam o oposto do que almejavam os maragatos a partir da nova Constituição Estadual, em 1891. Os chimangos costumavam ser identificados por um lenço branco em volta do pescoço.

Voluntariados em combate

    O bar cheirava a torresmo, linguiça e carreteiro feito com charque e mergulhado na banha. Meia dúzia de mesas se apertavam de forma aleatória e moscas ziguezagueavam em volta dos clientes e da comida.
    Em uma das mesas, estavam Venâncio e Fulgêncio disfarçados como chimangos e um terceiro homem, que era um chimango de fato. Os três bebiam cachaça e só Venâncio fumava um cigarro de palha.
    – As armas, onde estão as armas? – inquiriu Venâncio para o chimango molambento de rosto salpicado pelos fios de barba grisalhos em desalinho.
    O homem levantou os olhos em direção aos outros dois, surpreendido pela pergunta.
    – As armas? – repetiu Venâncio.
    O chimango ficou com olhar de peixe morto, quase não acreditando que tinha caído numa arapuca.
    – Responda, seu chimango porco – protestou tam-
bém Fulgêncio.
    – Não sei do que estão falando.
    – Sabe, sim. – Venâncio tirou a adaga escondida em volta da cintura, apontando justamente para o olho não vazado do molambento.
    Os homens das outras mesas, que bebiam cachaça, levantaram-
se. Alguns estavam prestes a correr, e outros a apartar o grupo.
    Por alguns segundos houve um silêncio nervoso. Em seguida o chimango tirou um Winchester de dentro do saco que carregava, mas nem teve tempo de engatilhar porque Fulgêncio lhe acertou um soco tão forte na cara que ele caiu inconsciente.
    – Tudo bem – disse Venâncio, animado –, não aconteceu nada, homens. Continuem o almoço.
    Os dois pagaram a conta e saíram do bar com o homem arrastado pelos braços e mais o saco com o Winchester. Já na rua, uma caleça dirigida por Lineu, filho de Fulgêncio, se aproximou. Subiram.
    – Vamos levá-lo para a minha fazenda. Lá é melhor – disparou Venâncio. – Forçaremos a dizer quando chegam novos carregamentos e onde estão escondidas as outras armas. Saquearemos as armas deles.
    Na fazenda, Venâncio e Fulgêncio torturaram o chimango usando um grande pedaço de metal em brasa. Pouco a pouco o homem era desfigurado no rosto, nos braços e no tórax com queimaduras que lhe marcariam o resto da vida se saísse dali vivo. Até que ele disse que os legalistas, em dois dias, fariam o descarregamento na estação de trem. Outras armas estavam escondidas num posto resguardado por um grupo de cinco homens fardados. Deu a descrição exata do local.
    Depois de dois dias, Venâncio reuniu seus homens, um total de vinte, e surpreendeu um pelotão inteiro de pica-paus que transportavam metralhadoras, Winchesters, espingardas e munições num vagão. Era em tão grande quantidade que não foi possível saquear tudo. Houve feridos dos dois lados, mas somente um morto pelo lado dos maragatos. Um dos soldados pica-paus foi capturado e levado junto ao outro prisioneiro. O grupo de Venâncio ainda atacou, no mesmo dia, o posto dos pica-paus, surrupiando mais armas.
    Depois de concluir que não precisaria mais de nenhuma informação, Venâncio matou com as próprias mãos o molambento, usando a sua adaga, enquanto o outro continuou como prisioneiro.
    – Homens – pronunciou Venâncio aos seus soldados voluntários –, tivemos sucesso no dia de hoje.     Será um dia que jamais vou esquecer. Essa empreitada não deverá ficar em vão. Foi a nossa primeira missão para nos livrarmos desses pica-paus insolentes. De agora em diante, vou trabalhar em prol dos maragatos como voluntário. Vou entregar as armas para as forças de Gumercindo e tenho certeza de que seremos tratados como heróis. Conto com vocês porque, a partir de hoje, estarei disposto a montar nossa frente de combate... de forma mais consolidada, e também tenho certeza de que teremos respaldo absoluto. Seremos como os Voluntários da Pátria, e assim poderemos ajudar as nossas gentes a sair das amarras dos impostos escorchantes que estão impondo. Já tivemos uma guerra aqui no Sul em que homens se tornaram voluntários para ajudar toda a nossa querida província do Rio Grande.     Quem está disposto a me seguir nesta luta?
    Todos levantaram as mãos. Alguns gritaram ensandecidos pela alegria de se tornarem soldados voluntariados.
    Assim começou a tropa de Venâncio, um dos homens marcados para honrar a facção dos maragatos até as últimas consequências. Como líder, conseguiu incorporar alguns homens que estavam com a mesma afinidade nos combates contra as forças legalistas. Eles formaram a oposição e defendiam interesses com base no Império do Brasil. Por isso protestavam contra a República, levantando a bandeira do Rio Grande como se fossem proteger a alma gaúcha e as famílias que nele viviam.
    No entanto, a barbárie tomou conta daquele início da década de 1890, que tinha Fulgêncio como amigo leal e voluntário de Venâncio na guerra contra os chimangos. A liderança de Venâncio permitia que os soldados o chamassem de coronel, apesar de não comporem a escala oficial dos pelotões na crescente guerra que ganhava cada vez mais violência, à medida que os dias e os meses se passavam. 
    Durante esse período, casos de barbáries sem precedentes tomavam conta de muitos pontos do território rio-grandense. Chegou ao extremo de um homem ser capturado mesmo sem terem a certeza de que se tratava de um chimango. E tudo pelo simples fato de estar conversando com quatro soldados que usavam a farda dos pica-paus apesar de, ele mesmo, sequer estar fardado. Entre os cinco, foi o único que não conseguiu escapar. 
    O homem, que se chamava Aguinaldo, fora capturado e se tornara prisioneiro, podendo ser morto ou entregue a tropas de soldados que andavam por aquela região da campanha. Porém, isso dependeria da decisão do próprio Venâncio.
    Alguns dias se passaram, e Fulgêncio quis saber com seu amigo Venâncio se estava mesmo pensando em levar até o fim da guerra a empreitada de chamar voluntariados para lutar.
    – E eu sou lá de levar adiante uma coisa para deixar no meio do caminho, homem?
    O seu pequeno pelotão, de fato, começou a aumentar aos poucos e, de um momento para outro, isso se deu de forma acentuada.
    Nunca ocorreu de Fulgêncio saber como Venâncio conseguira infiltrar-se no meio dos chimangos para obter aquelas informações todas sobre as armas. Venâncio só dizia se tratar de espertezas e que havia outro homem, um aliado o qual não informou quem era, mas disse se tratar de alguém infiltrado como espião no meio das tropas inimigas.
    – É uma boa maneira de começar uma guerrazinha, Fulgêncio. Temos mais armas agora e conseguimos tirar daqueles malditos... – disse isso apesar de ter entregado as armas às tropas comandadas pelos tenentes e coronéis das forças aliadas.

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