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Capítulos Iniciais

Entre Luas

Prólogo


Reino de Arkear

O movimento exagerado no palácio me deixava cada dia mais tenso. Fui contra, mas voto vencido. Meu trabalho quadruplicou e a quantidade de soldados aumentava na proporção dos novos moradores e visitantes. Depois da última noite, então, os alertas estavam no máximo!

Tinha certeza de que daria algum problema e me preparava para antecipá-lo. Só não imaginei que ele viesse justamente de quem eu protegia.

Encerrei a refeição com Caska e voltei a me concentrar na análise do perímetro do palácio. Além dos convidados, uma multidão se aglomerava, outra vez, nos jardins, à espera da coroação.

Seria o meu dia, também. Minha glória e realização. Cada passo, cada vantagem de terreno conquistado, palmo a palmo. Jamais perdi uma batalha. Derrubaria todos que estivessem entre mim e a coroa.

Meu comunicador apitou e o tom aflito de Caska me deixou alerta, imediatamente:

— Ela não está no quarto. Saiu, disseram os guardas.

— Para onde?

— Não faço ideia.

Fechei os olhos. Aquela mulher tinha o dom de me tirar do sério. Acionei o rastreador e ele indicava o palácio. Emiti um alerta, para que fosse localizada. Mas minhas esperanças foram por água abaixo, quando outra ligação informou:

— General, a princesa acaba de sair em um veículo não autorizado.

Falei um palavrão, que pouco serviu para desfazer a ira que agitou meu peito. Ela não sabe dos riscos? Das ameaças? Como faz isso comigo?

— Rastreie a rota — ordenei.

Peguei minha capa e saí do gabinete, já me preparando para segui-la até Brustamar, se precisasse. Uma desconfiança começou a agitar meu peito, quando olhei para o céu e vi as luas.

Você não vai fazer isso — pensei, duplamente irritado com a possibilidade.

Alcançava o pátio de veículos, quando um soldado chegou até mim, fazendo a saudação:

— Permissão para falar, senhor! — concedi. — O veículo traçou a rota para a Fortaleza da Montanha.

Miserável! Ela não podia... entrei no veículo, sentindo que dessa vez, a esganaria até o fim. Ela mentiu para mim! E agora estava fugindo. Mas eu prometi, um dia, que a buscaria, aonde quer que fosse.

Estava na hora da minha princesa entender que eu nunca blefo!

CAPÍTULO 1 


Belo Horizonte

Observava o monitor da esteira, enquanto reduzia a velocidade da corrida. O aviso da chegada de um e-mail da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, me fez franzir as sobrancelhas, estranhando. Em seguida, o aparelho em minhas mãos tocou.  Atendi o telefone, enquanto a velocidade da esteira chegava a três quilômetros por hora.

— Pietra Jimenez — apresentei-me, sem reconhecer o número que ligava.

— Bom dia, doutora. Aqui é Patrícia Gusmão, da PUC de Goiás. Podemos conversar?

— Claro! Um instante.

Desliguei definitivamente a esteira e sequei o rosto. Procurei um canto mais silencioso e confirmei que ouvia. Tomei um gole de água, ouvindo o som anasalado da voz feminina fazer uma breve apresentação de si mesma e do curso que representava, até introduzir o assunto que a fez me ligar antes das nove da manhã de uma segunda-feira:

— Nosso departamento de arqueologia foi procurado, há alguns dias, por um empresário de São Paulo. Ele afirma ter encontrado um artefato raro, possivelmente arkeano.

— Que tipo de artefato? — estranhei.

— Ele afirma ser uma pedra antiga, em formato de pingente, semelhante a uma esmeralda.

— E ele moveu a peça — sacudi a cabeça, já irritada.

— Exato! — A inconformidade dela soou igual à minha. — Enviou-nos algumas imagens, que tomei a liberdade de encaminhar para o seu e-mail, antes de ligar.

Entendi o e-mail, então.

— Vou abrir.

Naveguei pelos aplicativos do meu smartphone e acessei o anexo que ela enviara. Meus olhos quase lacrimejaram, diante da imagem. Era linda, perfeita, um belíssimo artefato, porém coletado sem qualquer cuidado de seu possível sítio arqueológico.

— Não parece um artefato primitivo ou indígena, realmente. Já foi confirmada a origem?

— Não, na verdade, este é o motivo do meu contato. Ele pediu pela senhora, doutora. Foi categórico quanto a isso. Disse que pesquisou a respeito dos arkeanos e que seu nome apareceu com destaque.

— Entendo. Mas por que não me procurou, diretamente?

— Ele disse que vem tentando contato, mas que a senhora não retornou as mensagens nas redes sociais. Assim, procurou por nós, por sermos o departamento de arqueologia mais próximo do local. Ele deseja financiar a pesquisa, mas como eu disse, apenas se a senhora encabeçar o time de especialistas.

Entendi o ponto. Pesquiso civilizações pré-colombianas na América do Sul e meu foco atual são os arkeanos. Tenho muitas teses e livros publicados, na área de arqueologia, além da docência. Quanto às redes sociais, evito, realmente.

— Se é que temos um estudo a ser feito — duvidei.

— Este é o primeiro passo, concordo. Ele está disposto a lhe mostrar o artefato, caso a senhora possa se deslocar até aqui, no início do mês.

— Preciso verificar a minha agenda, mas é do meu interesse sim — respondi, curiosa sobre o artefato raro.

— Aguardo seu retorno, então. Meu telefone pessoal está na assinatura do e-mail, assim como alguns detalhes extras e o nome do empresário.

— Patrícia — interrompi sua despedida. — Qual foi a sua impressão, sobre isso?

— Sou cética, doutora, como bem sei que a senhora também é. Porém, existem lendas, aqui na região, sobre um povo de onde se originaram algumas tribos de indígenas. A especialista em arkeanos é a senhora, mas pelas imagens, pareceu-me bastante similar aos já coletados na região do Jalapão.

— Esse fóssil tem mesmo alguma semelhança com os outros artefatos designados como arkeanos. Vou me informar a respeito e entro em contato.

Despedimo-nos e desliguei. Busquei um banco e abri novamente a imagem do possível artefato. Lembrava mesmo um pingente, em formato circular. Parecia ser trabalhado em ouro amarelo e o miolo ostentava uma pedra, de um verde muito escuro. Não lembrava, em nada, os achados arqueológicos das tribos indígenas nacionais. Em compensação, lembrava os diversos itens coletados no Tocantins.

O nome do empresário era Ulisses Monteiro de Barros. Fiquei curiosa a respeito de quem seria e a proposta que me fazia. Meu saldo bancário agradeceria aquele trabalho extra. Juntei minha garrafa, a toalha de rosto, preparando-me para ir embora, mas meu personal trainer sinalizou que o treino não estava encerrado. Gesticulei, mostrando o celular. Ele entendeu que era uma emergência. Mandei-lhe um beijo e fui para o chuveiro da academia.

***

Abri o computador, assim que sentei diante da minha mesa, na sala de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. Acessei meu Facebook pelo site, pois sequer tinha o aplicativo baixado no celular.

As dezenas de solicitações de amizade, de notificações e mensagens, me fizeram desanimar. Tinha muita coisa para colocar em dia. Ignorei tudo e fui direto à caixa de mensagens. Pesquisei pelo nome do empresário e lá estava a conversa que ignorei, sem querer.

Enviado há vinte dias:

Ulisses: Cara senhora Pietra Jimenez. Tenho um assunto de seu interesse, favor entrar em contato pelo número…

Enviado há dez dias:

Ulisses: Doutora Pietra, o motivo do meu contato é urgente e do seu interesse. Por favor, envie o seu endereço de e-mail ou telefone, caso prefira outro meio de comunicação.

O contato aparecia como online agora, com uma bolinha verde ao lado da foto de perfil. Cliquei sobre a imagem e optei por ver perfil. A imagem da capa era uma belíssima paisagem do Jalapão, reconheci. A Serra do Espírito Santo aparecia contra o céu alaranjado. Tão facilmente identificável quanto o Pão de Açúcar, para mim.

A foto do perfil mostrava um homem de cabelos prateados e barba, na faixa dos cinquenta anos. As informações profissionais, afirmavam que ele era proprietário de uma empresa de tecnologia. As últimas postagens foram do Tocantins, da viagem que fez. A conversa aberta sinalizou uma nova mensagem e cliquei.

Ulisses: Bom dia. A senhora está aí?

Resisti por uns três segundos, mas respondi.

Pietra: Bom dia. Recebi agora as mensagens.

Ulisses: Desculpe importuná-la em suas redes sociais. Mas encontrei algo em minha última viagem ao Jalapão e gostaria de sua opinião. Seu nome surgiu em muitas pesquisas que fiz a respeito de arqueologia no país.

Pietra: A Patrícia da PUC-GO entrou em contato hoje. Ela me explicou sobre a peça que o senhor retirou do campo.

Ulisses: Peço perdão se fui inconsequente, mas como leigo, pensei que protegia a peça, em primeiro lugar.

Pietra: Entendo a confusão, mas isso apenas prejudica uma possível investigação do campo arqueológico.

Ulisses: A Patrícia falou o mesmo. Ela lhe explicou meus termos, doutora?

Pietra: Sim. Mas a primeira providência é autenticar a veracidade da peça, sobretudo porque foi retirada de seu sítio.

Ulisses: A senhora é minha convidada para vir observá-la pessoalmente.

Pessoalmente, pelo que entendi, significava São Paulo. Eu morava em Belo Horizonte. Mas não podia negar que estava curiosa sobre aquela peça. Ela me atraía de uma forma quase irracional. A irritação que sentia, por terem-na tirado de seu local de origem, estava acima do normal.

Pietra: Estarei livre no final de semana, apenas.

Ulisses: Minha secretária entrará em contato para providenciar seu transporte e hospedagem. A senhora pode me enviar sua forma de contato preferida?

Enviei meu número do celular e nos despedimos. Não levou muito tempo até eu receber a ligação de uma mulher que se disse secretária do senhor Ulisses. Combinamos os detalhes e logo tinha uma passagem e uma reserva em meu nome.

Não sabia o que era aquele artefato, mas uma coisa era certa. Ele chamava por mim.


***

​​

Dias depois, o Uber me deixou diante de um edifício elegante, de muitos andares. No elevador, descobri que eram mais de trinta e cinco. Um funcionário muito bem-vestido abriu a porta, no trigésimo andar, e fui direcionada para uma sala ampla, moderna e muito iluminada, após o hall de entrada.

Em pé, diante de um sofá de couro branco, estava o homem que eu reconhecia como sendo o meu contato. Era alto e de ombros largos. Segurava um copo de bebida e estendeu a mão livre para mim, com um sorriso largo no rosto:

— É um prazer recebê-la, doutora Pietra. Ulisses Monteiro de Barros. Não imagina o quão curioso estava por conhecê-la. Fique à vontade. Aceita uma bebida?

— Igualmente, senhor. Aceito uma água, por favor. — Sorri levemente.

Ele confirmou a ordem, com um leve gesto de cabeça para o funcionário. Ulisses tinha um sotaque que não consegui identificar, inicialmente. Talvez algo do espanhol, pela forma com que o ão soava aberto. Sentamo-nos, cada qual em um dos sofás, de frente um para o outro. Ele me observava atentamente e o sorriso não deixava seu rosto.

— A senhora é bastante jovem, para todo o currículo que apresenta. Estava curioso por conhecê-la.

— Fui dedicada. Arqueologia era meu sonho, desde a adolescência.

— Esperava alguém ao estilo Robert Langdon — ele riu, se recostando.

— Estou mais para Lara Croft — brinquei.

De fato, sou uma mulher jovem, de trinta e três anos. Dediquei, e ainda dedico, muito do meu tempo para os estudos e pesquisas. A vida social moderna me entedia um pouco. Já o passado, tem toda a minha atenção.

— A senhora leu os livros de Dan Brown? — Ele perguntou, enquanto eu recebia a bebida.

— Como passatempo, nas férias. Meu tempo é bastante escasso, durante o ano, por conta das pesquisas e das aulas na faculdade de Minas.

— Acredito. E tempo é algo valioso para a senhora, imagino. Trabalha muito com ele, é seu material básico.

— Antiguidades certamente me atraem. Por falar nisso, posso ver a pedra que o senhor coletou? — Estava muito ansiosa por autenticar sua veracidade.

Ulisses sorriu, examinando o conteúdo âmbar de seu copo. Tomou todo e fez uma breve careta ao engolir.

— Tomei a liberdade de mandar preparar um jantar para nós. Espero que aceite me fazer companhia.

— Agradeço a gentileza, mas o meu maior interesse é na pedra, seu Ulisses.

— Compreendo. A senhora pode me contar o que sabe sobre os arkeanos, o que tem descoberto? É um assunto que me intriga.

— Posso fazer um resumo — dei um gole na água que estava bem fresca. — A existência da civilização arkeana ainda não foi comprovada, embora existam diversos artefatos na região do Jalapão. Seu nome tem origem na tribo dos Acroás, que alguns cientistas afirmam descender deste povo extinto. Os arkeanos seriam uma outra civilização pré-colombiana, similar aos astecas, maias e incas. O motivo de sua extinção não foi comprovado ainda.

— Encontrei diversas referências à senhora, quando pesquisei os arkeanos. Fiquei muito surpreso com o seu currículo. É exagero dizer que, atualmente, a senhora é o maior nome da arqueologia nacional, no que se refere a essa civilização?

— Realmente, é meu campo de pesquisa. Mas não existem muitos pesquisadores desse assunto. Os demais povos pré-colombianos têm mais destaque, sobretudo por existirem sítios arqueológicos, como a cidadela de Machu Picchu, por exemplo. Comprovar a existência de Arkear será um trabalho de muitos anos, certamente, não será apenas meu.

Ele assentiu, embora mantivesse o rosto sério. Soltou o copo sobre a mesinha que ficava entre nós. Estendeu a mão e pegou dali uma caixa de veludo escuro. Ergueu-se e veio sentar ao meu lado. Manteve-a fechada e começou a falar:

— Peço desculpas por tirar a peça de seu lugar de origem. Porém, pareceu-me o mais correto, naquele instante.

— É um erro comum.

— Mas veja, não creio que errei. Vou contar como encontrei esse pingente e creio que a senhora vai me perdoar — Ele sorriu na minha direção, mas eu não estava interessada em sua simpatia. Queria a peça.  Estendi a mão para pegá-la, mas ele desviou a caixa. — Primeiro o jantar, em seguida a história. Por fim, lhe mostro a peça.

Respirei pesadamente, buscando controlar a ansiedade e ser educada com o empresário. O funcionário avisou que o jantar seria servido e Ulisses ergueu-se, levando a caixa. Pude sentir meus olhos acompanhando o movimento, como se fosse um osso diante de um cachorro faminto. Demorou para que eu percebesse a mão estendida à minha frente.

— Me acompanha? — O dono da casa ofereceu.

Aceitei o convite e segui Ulisses até uma mesa de vidro, posta para duas pessoas. Ele puxou a cadeira e sentei-me, aguardando. A caixa foi depositada do lado oposto, longe do meu alcance, mas diante dos meus olhos. Uma taça de vinho branco foi servida e o cloche foi retirado. Uma entrada de folhas e camarões ao bafo estava servida.

— Espero que goste de frutos-do-mar.

— Gosto. Pode me contar a história, seu Ulisses? Estou realmente curiosa sobre a forma com que a encontrou.

— Certo, doutora — sorriu e engoliu um camarão, esperando. — Como eu expliquei, fui ao Jalapão, de férias, mês passado. É um lugar fabuloso, conhece?

— Sim. Já estive pesquisando lá, algumas vezes.

— Ah — Ele pareceu surpreso. — Temos o mesmo gosto para aventuras, então.

— Seu Ulisses, por favor. Direto ao ponto.

— Bom, eu contratei um guia local, pois queria algo fora das rotas turísticas. Algo mais genuíno, intenso.

Os camarões iam terminar e aquele papo de viagem parecia não chegar nunca no ponto que me interessava.

— Sei como é — reforcei, tentando um atalho. — Onde fica o sítio arqueológico?

— Aí é que está, doutora Pietra. Não o encontrei em um sítio.

— Talvez o senhor não esteja familiarizado com a nomenclatura. Refiro-me ao local da coleta.

— Eu entendo. Porém, não estava no chão, nem escondido. Ele surgiu de dentro de um fervedouro, doutora.

Parei com o garfo no meio caminho até a boca:

— Como assim?

— Eu e o guia estávamos acampados junto a um fervedouro que não estava registrado, desconhecido. Você sabe o quanto aquela região é pouco explorada, ainda. É um pequeno poço, longe dos outros, bem no meio do mato, junto a uma cascata. A água é de um verde tão intenso, como… — Ele olhou ao redor, buscando uma referência e então me encarou — como a cor dos seus olhos.

— Verde como os meus olhos? — Pensei que fosse uma cantada barata.

— Sim, exatamente. Esse mesmo tom. Eu estava boiando, para fotografar o fundo do fervedouro, quando vi a pedra surgir. Ela veio para mim, flutuando pela água.

— Mas os fervedouros não têm fundo… — Eu tentava entender.

De fato, a areia fina que forma o suposto leito, apenas flutua, mantida pela pressão da água que brota dos lençóis freáticos da região.

— Eu sei. Nem nada afunda. Mas eu vi a pedra subir, doutora Pietra. Como se fosse expelida pela areia do fundo do poço.

Ulisses tinha o rosto sério e os olhos levemente arregalados. A força que impunha à história, me fez crer que era verdade. Não fazia sentido algum, mas não parecia uma mentira.

— Por isso, eu a salvei. Não podia deixar boiando, naquele mato. Eu a trouxe para cá, pois não sabia onde entregar. O guia ficou horrorizado. Ele me contou de uma civilização antiga, que foi destruída, na região. Afirmou que o artefato era amaldiçoado.

— Existe muito misticismo em torno dos arkeanos. É algo como Adão e Eva, para os Cristãos. E ainda há a vertente que acredita que são seres extraterrestres, pois embora existam fósseis, não há qualquer sítio arqueológico, nenhuma ruína, nada. Isso gera muita superstição. — expliquei.

— Uma Atlântida do Cerrado. — Ele completou e concordei com a alegoria. — E a senhora entende a linguagem e costumes arkeanos?

— São meu atual campo de pesquisa, pois além de arqueóloga, sou antropologista, também. Mas como lhe disse, sabe-se muito pouco sobre eles, ainda.

— Mas seria capaz de distinguir se o objeto é de desse povo ou de outro?

— À primeira vista, posso eliminar algumas civilizações, mas para afirmar que é um objeto arkeano, seriam necessários alguns estudos e testes específicos.

Ulisses deu um sorriso misterioso, estendeu a mão para a caixa e me entregou. Meu coração bateu em descompasso. Levantei a tampa e arfei. Meus dedos foram atraídos para a peça e foi por um instante que me impedi de tocá-la.

Era linda.

O verde da pedra era, definitivamente, inigualável. Brilhava sob a luz branca do lustre acima de nós, refletindo como um prisma. O material que a envolvia parecia ouro, muito amarelo e havia dizeres incrustados na borda, que formam a moldura da pedra circular e lisa, de formato oval. Um orifício fazia crer que era mesmo um pingente. O artefato era um pouco maior do que uma bola de pingue-pongue.

Ergui-me e fui até a sala. Eu precisava tocá-lo. Peguei meu estojo de trabalho, que trouxe justamente para isso, voltei à mesa e sentei diante daquela preciosidade, esquecida totalmente do jantar.

Calcei as luvas e peguei a peça, com cuidado. Eu sabia que Ulisses já o tinha feito, sem qualquer proteção, mas eu não podia. Senti seu peso. Passei o indicador sobre a borda. Com a lente de aumento, observei as pequenas imagens incrustadas ali. Pareciam letras e formavam uma frase. Eu podia identificar alguns símbolos, realmente lembrava o artesanato arkeano. No verso, a peça era lisa. Voltei a analisar as bordas irregulares e na lateral encontrei uma saliência, similar a um botão. Pressionei e um clique suave soou. A pedra soltou-se de sua base, pois os diversos pequenos dentes que a prendiam, foram recolhidos.

Arregalei os olhos e busquei por Ulisses. Ele parecia tão surpreso quanto eu.

— Mas o quê… — O homem disse, sem finalizar a frase.

Virei a peça e a pedra verde e côncava caiu na minha palma. No espaço vazio, encontrei um pedaço dobrado de um tipo de camurça muito fina e macia. Usei uma pinça para coletar e abrir. Desenhado ali, estava uma imagem dos morros da Serra do Espírito Santo. Uma linha perfazia um caminho até o desenho de uma cachoeira, como um mapa.

Mas o que mais me surpreendeu, em tudo aquilo, foram as duas iniciais e uma abreviação, em uma letra que eu conhecia muito bem:

P.J. UFMG

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