
Capítulos Iniciais
A ilha dos gigantes de areia
Capítulo 1 – A Notícia
T odas as sextas-feiras eram especiais na casa dos Andrades. O pai de Aninha ia buscá-la na escola e os dois seguiam para casa onde mãe, pai e filha almo
çavam juntos.
— Pai, a mamãe já está melhor? Vovó que me trou
xe para a escola hoje.
— Claro que sim! Foi só um pouco de enjoo e tontu
ra. Ficou em casa e está preparando o almoço.
— Oba!
O cheiro de lasanha de frango com muito queijo in
vadiu a casa. Era a comida predileta de toda a família.
Quando pai e filha chegaram, Aninha correu até a mãe e foi logo contando com grande entusiasmo que tinha sido a vencedora no campeonato de xadrez e iria ganhar um troféu na segunda-feira.
— Parabéns! Eu sabia! Você estava muito bem pre
parada. Meu amorzinho, você é a melhor sempre.
Quando os três terminaram de almoçar, já na sala, Aninha se sentou no meio dos pais e, enquanto o pai acariciava seus cabelos, a mãe lhe entregou uma cai
xa colorida e fechada com uma fita amarela. Os olhos de Aninha brilharam, o coração começou a pulsar mais forte e um suspiro acompanhado de um sonoro “viva”.
— Já sei! É o meu celular. Amo vocês! Achei que ga
nharia apenas em dezembro, no meu aniversário.
Um beijo em cada um e a caixa foi desembrulhada rapidamente, mas o olhar da menina foi de tristeza.
— Outro urso de pelúcia?
— É, mas este é especial, abra o zíper da roupa dele. Há um recado para você — disse a mãe.
Aninha colocou a mão com todo o cuidado dentro do urso amarelo. Abriu e lá estava escrito: “Parabéns! Agora você é a irmã mais velha!”
— Mas eu achei que eu ganharia o celular — falou olhando fixamente para o pai, que pegou as duas mãos da menina e disse:
— Você ganhou algo melhor, um irmãozinho ou ir
mãzinha, Aninha.
— Tudo de novo? Já recebi esta notícia aquela vez. E aí nem conheci meu irmãozinho. E a mamãe ficou do ente por causa dele. Na época, vocês disseram que vi
rou estrelinha, mas agora sei o que acontece. Eu desisti de querer um irmão ou irmã.
A mãe acariciou os cabelos da menina e disse que agora estava tudo bem e que o bebê iria vir para casa quando nascesse.
— Filha, você irá me ajudar a cuidar, afinal, agora você já tem quase onze anos.
Aninha abraçou a mãe, deu um beijo na bochecha dela, depois pegou a mão do pai e perguntou quando ganharia o celular.
— Olha, só, o celular virá no seu aniversário em de
zembro, antes do bebê nascer — disse o pai abraçando a filha.
— Oba! Eu quero muito, muito! Segunda-feira vou contar para minhas colegas que vou ganhar meu celular.
Aninha saiu correndo até o quarto. O ursinho que acabara de ganhar ficou lá no sofá da sala junto com o recado que ele trouxe para ela.
Mãe e pai se olharam e suspiraram.
— Ela irá se acostumar com a ideia. E talvez, quan
do contar para as amigas da escola, irão entusiasmá-la, Joana.
O momento não tinha saído como planejado. A foto da família para ser postada nas redes sociais, demonstrando a felicidade da filha, não aconteceu.
Capítulo 2 – Encarando a verdade
O fim de semana passou inteiro sem a Aninha comentar algo sobre a notícia que recebeu dos pais. Ninguém tocou no assunto.
Foram no domingo passear com a filha no shopping e, claro, as lojas de celulares foram visitadas pela família.
Aninha só olhava para modelos mais caros e os vendedores ajudavam a menina a convencer os futuros compradores.
— Estamos apenas olhando, moço. Ainda não vamos comprar. Será em dezembro e precisaremos ver como ficará nosso orçamento, pois a mocinha aqui vai ganhar um irmãozinho ou irmãzinha em breve.
Aninha não gostou nada do que o pai falou e a volta para casa foi de cara emburrada. Na segunda-feira, quando a mãe a levou para a escola, falou com muita empolgação do troféu que ganharia pelo campeonato de xadrez.
— Espero que me entreguem lá no palco para todos verem, né mãe?
— Sim, filhinha.
— Mãe, posso ir hoje à tarde lá na vó Cléo? Eu quero pegar um livro que ela tem lá na biblioteca dela. Mãe, a biblioteca da vó é muito maior que a da escola. E os livros são diferentes, mas eu gosto mesmo é de ouvir as histórias que ela conta. Parecem tão reais. Deixa, mãe?
— Não, Aninha! Seu pai não gosta que você vá lá sozinha e ela não é sua vó. É só uma amiga e parente distante de seu pai.
— Mas ela é bem velha, então pode ser minha avó também ou quase vó.
— Não, desta vez, você não irá. Quando eu puder, nós duas vamos juntas lá. Eu e seu pai ficamos preocupados com você lá sozinha. A Cléo está cada vez mais… deixa pra lá.
Aninha deu um beijo de despedida na mãe e saiu correndo eufórica para encontrar a Lúcia. Claro que a conversa foi sobre o passeio ao shopping.
— Eu já escolhi ontem. É quase igual ao seu, mas tem o dobro de memória. E quero ele cor-de-rosa. Não vejo a hora.
— Que bom! Espero que agora você ganhe mesmo.
— Claro que sim! Meus pais prometeram. E ontem já escolhi o modelo.
Pietra, que estava próxima das duas, ouviu a conversa e falou em tom desafiador que ganharia um novo celular, pois o dela já estava ficando ruim, mas seria mil vezes melhor do que o que a Aninha ganharia.
A Aninha preferia ficar bem longe de Pietra. A colega já tinha metido ela e Lúcia em confusões. Criou histórias colocando Aninha contra Lúcia no ano anterior. As três foram parar na diretoria da escola e quase Aninha e Lúcia ficaram de mal uma com a outra. Achava a colega petulante, arrogante e esnobe. Já tinha comentado com a mãe que odiava quando Pietra tentava qualquer aproximação.
— Olha aqui — disse Lúcia. — Vai para lá, ninguém te chamou aqui.
Lúcia e Aninha saíram e foram para a porta da sala de aula esperar a professora.
Na sala de aula, a tarefa principal era fazer uma árvore genealógica. Minutos depois, Pietra saiu do fundo da sala direto para a mesa de Aninha e esbarrou propositalmente no caderno dela, derrubando-o.
— Não cuida por onde anda? Junta meu caderno, Pietra!
Pietra, ao pegar o caderno de Aninha, perguntou com ar de deboche por que tinha um ponto de interrogação onde era para colocar o nome dos irmãos.
— É porque não sei o nome ainda. Deixa de ser metida!
— Tá, mas você não é filha única?
Começou um burburinho na sala de aula.
— Sou filha única e daí?
— Se tu é filha única, não precisa colocar nada, a professora falou.
— Mas eu não serei mais — gritou a menina.
Então, Dona Betina, para retomar o controle da si
tuação, deu um dos seus berros com toda a turma. As crianças se aquietaram e Pietra voltou correndo para seu lugar. Aí, ela se levantou lentamente, apoiou-se em seu bastão e foi até o local em que Aninha estava. A menina, neste momento, caiu em um choro convulsivo. Estava com medo de receber uma bronca da professora.
— Era só o que faltava para hoje, um espetáculo de teatro! — disse a professora, posicionando os pequenos óculos para a ponta do nariz e olhando para o ca
derno de Aninha que já estava todo molhado e borrado com pingos de lágrimas
Ouviu-se uma risadinha lá do fundo da sala e um “bem-feito” cochichado. Aí o choro de Aninha veio acompanhado de soluços.
— Mocinha, vá tomar um ar fresco, passe no banheiro, lave esse rosto e volte já para terminar sua atividade. E vocês todos, tomem jeito!
A menina fungou o nariz e, sem olhar para nenhum lado, saiu em disparada para o pátio da escola.
Foi então que Lúcia levantou a mão e disse:
— Professora, posso levar meu caderno aí?
— Sim! Venha aqui, mas sem arranjar nenhuma ou
tra confusão.
A menina, quando chegou na classe da Dona Betina, retirou do bolso um papel verde dobrado em quatro partes e o deixou sobre a mesa e disse:
— Fiz um desenho para a senhora!
Lúcia, na verdade, havia escrito uma carta para a professora. Ela explicava que toda a confusão tinha sido causada pela Pietra que derrubou por querer o caderno da Aninha e debochou dela ainda.
Aninha retornou para a sala de aula com o rosto vermelho feito tomate, os olhos inchados e os cabelos desalinhados. Sentou-se quieta em seu lugar.
O papel verde que Dona Betina ganhou foi aberto logo em seguida. Ao terminar de ler, a professora levantou a cabeça, acertou os óculos na altura dos olhos e direcionou seu olhar para o fundo da sala.
Pietra logo percebeu que aquele olhar acusador e o dedo indicador da professora posicionado para frente e balançando sem parar era para ela. A guria já sabia o que estava para acontecer, assim como sabia que tudo era culpa da enxerida da Lúcia. Uma raiva grande tomou conta dela e a vontade que tinha era de chamar Lúcia e Aninha de fofoqueiras. Mas iria esperar o tempo passar. Sabia que logo elas teriam o que mereciam.
O episódio ocorrido com Aninha naqueles dias não voltou a ser comentado em sala de aula. Os pais da Pietra foram à escola conversar com a professora. E não é que ela pediu desculpas para Aninha?
Lúcia ficou uns cinco dias sem aparecer na escola: tinha caído um tombo na rua, após uns meninos maiores terem corrido atrás dela. Pietra disse que passou logo depois e viu a colega caída e lhe ajudou, mas não viu os meninos. Contou aos colegas detalhe por detalhe dos machucados, pois tinha ido visitá-la.
— Ainda bem que eu estava lá. Assim pude acalmar minha amiga e chamar ajuda. Eu gosto muito da Lúcia, professora Betina. A senhora, sabe, né?
Aninha quase engoliu a colega com os olhos, mas ficou quieta. Não queria mais ter que chorar por causa da Pietra.
Nessa altura, os dias para a chegada de dezembro já estavam sendo contados nos dedos, e Aninha estava cada vez mais ansiosa para a chegada do seu aniversário. Afinal, estaria fazendo onze anos e finalmente ganharia seu celular. Continuava dando umas pitadas para os pais de como queria que fosse o telefone.