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Contos Iniciais

A Arte de Abater Anciões

O Que Você Está Fazendo
Aí Parado?

A mira perfeita não almeja as coisas onde estão, mas onde deveriam estar.

É assim que Fábio Ochôa trabalha, mirando no ponto futuro. Duas casas adiante, três esquinas depois, dobrando na próxima estrela à esquerda e seguindo sempre em frente.

Você começa a ler um conto – meras duas ou três páginas – pensando que vai encarar uma história tenebrosa sobre um carrasco amador em um futuro distópico e acaba com lágrimas nos olhos porque lembrou de seu pai, que realizava feitos admiráveis por intermédio de escolhas questionáveis. Segue as memórias descompromissadas de um frequentador de sebos e termina com um sorriso besta, contabilizando as consequências de suas escolhas profissionais. Acompanha uma versão viajante do filme Mensagem Para Você e se percebe tremendo de medo porque intui que a súbita interrupção de comunicação entre os parceiros que nunca se encontraram funciona como um reflexo de seus amores perdidos. É esse o tipo de transformação que o Fábio opera. É a jornada que ele obriga você a percorrer. Sempre em frente, mas às vezes olhando pelo retrovisor.

E se estamos falando de transformações, pode ser que também estejamos nos referindo ao crescimento inescapável que cada conto provoca. É como se nos tornássemos crianças anciãs, sem rugas nos rostos, mas com a alma cansada, curvada sob o peso da inevitabilidade.

São histórias densas e brilhantes, como estrelas anãs, que deformam o espaço e o tempo, atraindo tudo que se aventurar a  passar por perto.  É isto: ler Fábio Ochôa é despencar para sempre no túnel escuro, mas com um sorriso cúmplice. Às vezes é triste, às vezes é nostálgico, mas também é divertido. Ou vice-versa.

Mas chega de metáforas. Elas tendem a se empilhar sempre que o Fábio se aproxima e ele está chegando, não se engane. Assim como os escritores parceiros que nunca se viram, jamais encontrei o autor dessas histórias, mas sei que o conheço há muito tempo, talvez desde antes de nossos pais terem ingerido o bife que viraria a proteína que impulsionaria aquele espermatozoide com medalha de ouro na única competição que realmente importa neste mundo. Porque espermatozoides competem por um prêmio que, caso ganhem, necessariamente os fará mudar de forma. Vencer, para eles, significa um tipo de morte. É essa a ironia artística que agrada ao Fábio e na qual ele é mestre absoluto.

Não falei que as metáforas se empilhavam? É sinal de que ele chegou e que você vai partir desta para melhor. Aproveite a vantagem enquanto o atirador ajusta a mira. Assim como o espermatozoide campeão, ao final da corrida você será outra pessoa. É essa pessoa-futura que traz um alvo pintado no peito. Um alvo que apenas o Fábio enxerga.

Corra o mais rápido que puder. Será inútil, nós dois sabemos, pois seu coração já tem um encontro marcado, mas não há escolha.

Adeus.

Seja bem-vindo.

Octavio Aragão é designer, acadêmico e gosta de escrever histórias fantásticas. Criador de Intempol, A Mão Que Cria, A Mão Que Pune – 1890 e Psicopompo, HQ em parceria com o ilustrador Carlos Hollanda, inspirada em um dia em que quase morreu, em 2015.

Zênite

O planeta era pequeno ainda, em formação. Um punhado de gases variados e rochas orbitais agrupados em algo que – a uma considerável distância – poderia ser definido como um círculo.

Seria algo diferente quando o tempo depositasse alguns milhares de anos em suas costas. Ali estava ele, pequeno, nascedouro, a orbitar o sol vermelho e moribundo. Um sol que não apenas já havia visto dias melhores, mas que já havia fornecido dias melhores.

Agora, ele se limitava a murmurar nos gases do espaço as pequenas histórias a queimar dentro de si.

E o pequeno apenas escutava.

E formava-se, alheio aos castigos e deleites que o tempo reserva
a todos.

Eram crônicas pequenas, sobre uma raça, menor que o menor grão de areia, que ousou roubar sua melhor fagulha. Sobre como utilizaram sua fagulha em cada respiração, uma chama de inspiração que teimava em não apagar, transmitida através de palavras, papel e impulsos, geração após geração.

O pequeno, como era de se esperar em tal idade, não entendia o que ele via de mais nessas narrativas.

O sol envelhecido, por sua vez, não atribuía sua longevidade a nenhuma persistência em especial, mas sim a uma tremenda incompetência em morrer.

Mas aquela pequena raça, aqueles pequenos gigantes de areia a resistirem às tempestades do tempo…

Ah, aquela pequena raça…

Eram pessoas pequenas, falou, no pequeno monólogo, presas a girar em uma rocha escura.

A prisão perfeita.

Parecia quase planejado, ele disse, para uma raça pequena e capaz de tanta destruição.

Pequenos micróbios mortíferos.

Bilhões de histórias vistas e escutadas a se perder no plasma. E, como em toda prisão, tinha de haver uma fuga.

Para que uma prisão existe? Dizia ele. Para que os presos possam fugir, ora.

E foi assim que eles fizeram.

Hoje estavam espalhados, longe demais. Espalhados em pequenas agulhas a costurar a escuridão sem fim.

Longe demais do que seus olhos e sua luz podiam ver.

Mas eles colocaram sua música no espaço, a se expandir infinitamente. Se prestasse atenção, ele ainda poderia escutar.

Foi uma raça brilhante.

Sem esquecer, contudo, as trevas que havia dentro deles. O pequeno escutou e ponderou.

No fim, apenas disse que nunca vai ter filhos.

– Eles se acabaram?

– Eu imagino que não.

O velho olhou os pontos distantes, fotos solares de antigas glórias.

– Eu saberia.

Ficaram em silêncio por um longo tempo. O cobertor negro a se estender sobre eles.

– Me conta uma história – pediu o pequeno planeta.

– Qual delas?

– A sua preferida.

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