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Capítulos Iniciais

Meus Sonhos ao Redor do Mundo

CAPÍTULO 1

“No início de tudo é difícil. Mas se você parar,

desistir no meio do caminho, estará sempre repetindo inícios.”
(Alice F. S. Maior)

O início de tudo


No dia 25 de setembro de 1978, nasceu um serzinho bem estranho, todo inchadinho, machucado e feinho. “É menino ou menina?” No corredor do hospital estava um homem aos prantos por ter nascido sua filha. Ele perguntou: “Será que ela vai ficar assim?” Familiares tentaram tranquilizá-lo, dizendo: “É assim mesmo quando a criança nasce. Ela nasce inchada, mas está toda machucada pelo sofrido parto que sua esposa teve.”
    Afinal, meu pai tinha apenas 21 anos e não sabia como seria a vida dali para a frente, agora com um pacotinho para levar para casa. Minha mãe precisou tentar parto normal, pois naquela época só após muitas horas sem êxito que seria submetida à cesárea. Foram horas de sofrimento e dá-se graças a Deus por terem sido salvas a mãe e a filha, mesmo que tenha nascido um mini monstrinho.  
    Enfim, estavam casados, teve até festa de casamento, mesmo não tendo muita aprovação do casamento por parte dos meus avós paternos, pois minha mãe tinha seus 18 anos de idade e, no tempo de um ano e pouco de namoro, havia tido muito pouco contato com os pais do noivo. No dia do casamento, meu pai, quando vestiu as calças, viu que elas estavam sem a barra feita e então, em cima da hora, se resolveu isso, porém a noiva chegou primeiro e ficou na frente da igreja, dentro do carro esperando. 
    Meu pai quando eu nasci era empregado em uma granja na cidade de Itaqui. Nos primeiros meses minha mãe ficou na casa de meus avós maternos em Giruá, cidade natal dos meus pais e onde eu nasci. Passado um tempo lá, fomos pra Itaqui onde meu pai nos esperava com muito amor. Não se tem fotos minhas de bebê até meu batizado, porque no início 
assustava mesmo. Uma pena, pois tinha curiosidade de ver como eu nasci. Meu pai sempre foi muito carinhoso e brincalhão comigo. Onde morávamos, havia enchente e nossa casa ficava cheia de água até a altura do carrinho onde eu ficava tirando uma soneca. Minha mãe levantava os móveis que conseguia para não molhar tudo. Tempos difíceis aqueles, mas felizes, pois o meu primeiro ano de idade foi de muita comemoração. Familiares e amigos foram a Itaqui e todos ficaram em nossa casa, mesmo simples, mas comida não faltou. Foram três dias comendo, bebendo e comemorando pela minha vida. 
    A escolha de meu nome foi muito interessante. Meu pai e minha mãe gostavam do nome Nina Rosa, porque o apelido da minha avó materna era Nina, mas acharam que ficaria chato, pois seria o mesmo nome da filha do chefe de meu pai na época. Ficou Ana Paula porque homenageia minha avó materna, que tinha o nome de Ana, mas todos a chamavam pelo apelido de Nina. 
    Moramos pouco tempo em Itaqui e lá fomos nós morar em Giruá. Morar onde? Tempos difíceis aqueles, pois minha mãe muito jovem precisava ainda estudar, queria se formar e ter uma profissão. Então morávamos nos fundos da casa de meus avós paternos em uma garagem, onde tinha um banheiro, uma despensa, um tanque, uma cozinha e um único quarto onde eu dormia com meus pais. Passava o dia com meus avós maternos para minha mãe poder estudar e trabalhar. Meu pai trabalhava com meu avô paterno na lavoura. 
    E assim foi até meus 5 anos de idade. Então meus pais conseguiram se mudar para uma casa um pouco melhor, de madeira, onde vivemos até meus 25 anos de idade. Mas minha mãe nunca desistia, tinha o sonho de um dia morar no centro e ter uma casa boa de material. Até hoje aparecem em meus sonhos os anos vividos naquela casa de madeira, onde 
posteriormente com muito suor se construiu uma garagem, cozinha e lavanderia de alvenaria, ficando assim um pouco mais confortável. A casa era de madeira branca, janelas, aberturas e portas marrons. 
    No pátio fazíamos uma hortinha onde tinha até morango plantado, além de um pé de abacate, de limão e de laranja. A casa tinha muito terreno baldio ao redor e por esse motivo tínhamos problemas com ratos, e até uma cobra pequena e fininha uma vez estava entrando pelos fundos da casa. Posso dizer que foram tempos felizes, mas difíceis. Com toda a dificuldade financeira que passamos, meus pais se esforçavam para me dar festinha de aniversário, que era minha alegria. Acho que é por isso que hoje em dia adoro fazer festas. As festinhas eram de dois em dois anos e contavam com a ajuda de minhas tias para a realização. Elas faziam os doces, a torta, os salgados e a decoração. Sou grata a todas essas minhas tias até hoje, convivemos bastante e é um amor verdadeiro. Outras recordações de minha infância são de meu pai sempre me contar histórias para dormir. Eu assistia a filmes com ele, adorava também ver lutas e acabava dormindo no sofá. Então meu pai logo me colocava para dormir em meu quarto. A mãe sempre ajeitando a casa, limpando e se preocupando em tudo estar organizado para nós. 
    Quando eu tinha 8 anos de idade, nasceu o irmão tão desejado pela irmãzinha aqui, afinal de contas eu queria um mano para brincar. Ele nasceu no hospital em Santo Ângelo. Lembro que foi bom e ruim ao mesmo tempo, mas que hoje sou muito feliz por tê-lo em minha vida. O lado ruim foi que desde muito pequena assumi a responsabilidade de ajudar a cuidar dele e de me preocupar com ele, pois eu era uma criança com cabecinha de adulto. Então, no turno que eu não estava na escola, ficava em casa. Tinha uma pessoa que trabalhava com a limpeza e nos atendia fazendo nossa alimentação. 
Lembro de todas as pessoas que passaram por minha casa, mas tinha uma que era muito engraçada, pois colocava batata inglesa na testa amarrada com um pano. Segundo ela era para passar a dor de cabeça. Teve uma outra pessoa que nos marcou bastante e até hoje é especial, que nos cuidou muito e, quando a vejo, parece que o tempo não passou para ela. Com muito sacrifício meus pais conseguiam pagar essa pessoa, pois precisavam de alguém para ficar conosco enquanto trabalhavam. Lembro bem das manhãs que ia para a escola e meu irmão ainda bebê ficava chorando e não tínhamos como esperar ele se acalmar, mas graças a Deus tinha essas pessoas boas em nossas vidas que dele cuidavam. 
    Dessa casa tenho muitas lembranças. Uma delas é que pegou fogo no botijão de gás e quase explodiu dentro de casa, mas a pessoa que trabalhava conosco me acordou e eu saí correndo com meu irmão ainda bebê no colo para pedir ajuda a um vizinho. Ele, muito corajoso, pegou um suporte de samambaia que minha mãe tinha e jogou o botijão lá na rua. A chama fazia um arco de um lado da rua até o outro. Ainda bem que deu tudo certo. 
    Outra coisa que me marcou foi quando minha mãe era diretora da escola Alfredo Saffi, no bairro Hortência de Giruá, e uma vez uma pessoa maldosa ligou para lá e disse que eu tinha sido atropelada de bicicleta e estava muito mal no hospital. Minha mãe saiu correndo para o hospital, pois acreditou nessa mentira. Eu estava tranquila em casa e de repente chegaram umas professoras, colegas de trabalho porque realmente achavam que tinha acontecido o pior. Eu acredito que foi um trote de mau gosto ou pura maldade mesmo.
    Quando minha mãe estava grávida de meu irmão, algo engraçado aconteceu. Ela queria fazer surpresa para todos e nem mesmo ela queria saber o sexo do bebê antes do nascimento. Então, numa ida ao médico, fez-se vários exames e ela sempre avisou o médico que queria essa surpresa, pois estava comprando tudo em amarelo, branco, verde para ambos os sexos. Está aí uma coisa que é bastante difícil hoje em dia, comprar uma roupa neutra: ou ela é bem específica para menino ou para menina. Mas como eu já sabia ler, querendo ler tudo que tinha pela frente, lembro como se fosse hoje, nós no fusca verdinho, voltando de Santo Ângelo e lá vai a pergunta: “Mãe, o que é sexo masculino?” Eis que acabou ali mesmo a surpresa. Acho que o médico esqueceu que não era para colocar essa informação no documento. Como sempre fui muito curiosa para tudo, havia aberto o envelope e lá estava assinalado sexo masculino. Minha mãe, dirigindo, não sei que sentimentos teve no momento.     Naquele tempo a criança, mesmo com 8 anos de idade, sentava-se no banco da frente. Então ela me olhou e falou para mim: 
    – Isso é um segredo nosso. Até o teu irmão nascer, estás proibida de contar a alguém sobre isso. 
E assim foi. Eu, obediente como sempre, fazia de conta que não sabia de nada e era até engraçado, pois fazia umas ceninhas quando tocavam no assunto.
Enfim  meu irmão nasceu e era um espoleta em pessoa, arteiro e adorava brigar comigo. Eu era mais velha, mas levava um pau dele. Eu era muito cuidadosa com meu irmão e fiquei triste algumas vezes em que o machuquei, ou estraguei sem ser por gosto algum brinquedo dele. Lembro até hoje que quando ele nasceu quis comprar uma bolinha de plástico para desejar boas-vindas, mas em pouco tempo eu joguei ela numa roseira e fiquei profundamente triste por ter sido um brinquedo dado a ele.     Outra coisa que me marcou foi um tombo que dei nele e achei que tinha matado o guri, pois tinha apenas 3 anos de idade. 
    Nessa fase eu lembro que, quando minha mãe comprava roupa para mim, era para usar por muitos anos. Então a calça eu usava até ficar quase até o joelho, e a blusa manga longa até ficar no cotovelo. A sorte é que eu era uma criança que até sua adolescência crescia, mas continuava magrinha e sem corpo. Já os calçados eram maiores, porque acho que minha mãe tinha um trauma de criança em relação a calçados, pois ela contava que, na sua infância e adolescência, usava os calçados apertados e isso era muito ruim. Eu já não passei por isso, mas tinha muito chulé por conta de ter poucos calçados e usar sempre os mesmos. Lembro-me bem de uma época que não gostava dos meus pés, pois desde 13 a 14 anos já usava numeração 39, e a preocupação era de eu chegar à numeração 42. Isso aconteceu, mas foi na gravidez de meu filho, pois engordei muito e o pé aumentou e hoje em dia não calço mais 39 e, sim, 40. 
    Com meus 13 anos, comecei a aprender a dirigir. Claro que não na cidade, mas na zona rural a caminho da granja de meus avós maternos, que ficava a 30 km de Giruá. Aprendi realmente a dirigir aos 15 anos e já ia automobilizada para meus cursos de pintura, artes, tricô e festinhas. Isso era bom para mim e melhor ainda para meus pais, pois não precisavam levar e buscar. Acho que nunca a polícia me abordou porque eu parecia já ter 18 anos, pois era enorme e muito madura. Claro que naquele tempo não tinha uma lei severa em relação a dirigir sem habilitação que prejudicaria muito meus pais, assim como minha cidade quase não tinha brigadianos. 
    Nós costumávamos ir muito para o interior, e eu adorava. Mas essa fase foi só até meus 15 anos, depois tinha outros interesses e não queria ir muito. Lá também era difícil, pois quando ficávamos para dormir não tinha luz, a casa era bem simples, de madeira e chão batido, a geladeira era a gás, não tinha tv, não tinha água quente para tomar banho. Tomávamos banho com uma mangueira que ficava dentro da casinha que chamávamos de patente, e disso eu não gostava. Mas lá é um lugar muito bonito, tem açudes, tem uma cachoeira, na época tinha gado, porco, galinha etc. Depois, quando eu já era adulta, se conseguiu que a luz chegasse lá no rincão, chamado Rincão dos Louregas, que é o sobrenome de minha avó, e aí, sim, tínhamos uma casa melhor com banheiro e até lareira. O único problema de ir para lá em dia de chuva era que corria o risco de ficar empenhado por lá. Isso aconteceu uma vez que me marcou bastante, pois não conseguimos voltar na segunda-feira, justo a que eu iria com a escola para as Ruínas de São Miguel. Isso porque, quando chove e a estrada é de terra, fica um sabão, mas em alguns pontos tem pedra que ajuda bastante. Muitas vezes colocávamos nos pneus correntes e saíamos do barro, mas outras vezes atolávamos na certa. Eu adorava a emoção de passar numa ponte, que era mais uma pinguela mesmo, mas que dava muito medo por ter uma subida íngreme e para descer era mais emocionante, parecendo uma montanha-russa que dá frio na barriga.     Para chegarmos nas terras de meus avós maternos, só tinha esse caminho que afinal era para mim muito divertido. Ia quase sempre conosco o meu primo mais velho, filho de minha tia que é irmã de minha mãe, ou seja, meu primo primeiro, e tenho mais uma prima e um  primo que são irmãos dele e somos muito próximos. Nós estávamos sempre juntos todos os domingos, nos reuníamos na casa dos avós maternos para o almoço de toda a família. Esse amor de primos é uma coisa incrível, pois você sabe que pode sempre contar com eles e eles sabem que podem contar comigo.
    Eu era uma adolescente perfil palito, corpo comprido, magro, sem estar apontando um corpo de mulher ainda. Estudei em escola pública até o terceiro ano. Foi uma fase muito difícil, pois nasci com problema urinário e desde criança tinha infecção na bexiga e os médicos não conseguiam me curar. Então nesse período, de 7 a 9 anos, eu fazia xixi na roupa pelo menos uma vez na semana. Todos na Escola Estadual Otávio Bos sabiam de meu problema, a diretora da escola era minha tia e eu levava uma muda de roupa todos os dias. Caso ocorresse o acidente e eu não tivesse levado a roupa para trocar, eu ia na casa de minha tia que morava perto e vestia a roupa de minha prima, que tinha a mesma idade e éramos colegas de aula. Nesse tempo, aconteceu uma coisa que me marcou muito, pois a casa da minha tia pegou fogo por causa de um lençol térmico que ficou ligado. 
Lembro-me bem, todos nós saindo da escola e correndo para a casa dela, umas 10h da manhã.     Chegando lá, vimos a casa em chamas e pouco restou. Fiquei na época muito triste, eu adorava dormir lá na casa dela e brincar muito com minha prima e primos. Após meu terceiro ano na escola pública, mudei para uma escola particular que ficava ao lado da casa de meus avós maternos. Lá estudavam também meus primos, por parte de minha mãe, e uma amiga que levo para a vida toda, sendo minha melhor amiga até hoje. Eu adorava dormir na casa dessa amiga de infância, pois era na zona rural e vivemos todas as fases juntas: de fazer festa, de ter namorado ao mesmo tempo e, quando uma terminava o namoro, a outra por casualidade logo terminava também. Amiga confidente, amiga para todas as horas e para a vida toda. Hoje moramos longe, mas o amor que temos uma pela outra continua o mesmo, inclusive sou madrinha da filha dela. Essa minha amiga tem uma irmã que é mais velha e ela era a que puxava nossas orelhas no bom sentido, conversávamos muito, mas às vezes entrava nas nossas brincadeiras também. 
    No tempo da escola particular, estudava com meus primos que são meus amigos próximos até hoje. Um deles mora perto de Porto Alegre, e nos vemos sempre que possível, e o outro no Paraná, onde nossa sorte é a tecnologia que nos faz próximos e nos encontramos na nossa cidade natal onde moram nossos pais ou até mesmo no litoral. Esse meu primo que está próximo, em Lajeado, é padrinho de meu filho e eu sou madrinha do filhote dele. Quando nos encontramos recordamos muito nossa infância que foi maravilhosa, pois estávamos sempre juntos, fazíamos todas as tardes as tarefas da escola e um ajudava o outro. Eu tinha muita dificuldade em matemática e eles eram muito bons em disciplinas da área das exatas. Como eu me dava muito bem na área das humanas, nós nos ajudávamos e eu às vezes até fazia os textos para eles. Para não deixar rastro, eu fazia o rascunho e eles copiavam com a letra deles para entregar à professora. 
    Hoje ambos têm a profissão que eu já imaginava, são médicos, porque se fossem bons escritores teriam uma profissão mais da área de humanas, como advogado, algo assim. Eu nunca fui uma aluna nota dez, mas tirava notas boas sem precisar estudar muito, com exceção da disciplina de matemática que fazia eu me trancar no quarto por horas para estudar. Lembro bem que esse caderno de matemática era todo borrado, pois eu estudava e chorava ao mesmo tempo. Para mim a matemática do quinto e sexto ano foi a pior de todos os anos. No sexto ano mudamos de escola novamente, pois infelizmente, como muitas coisas em nossa cidade natal, foi fechando aos poucos e hoje em dia não existe mais. Era uma escola de freiras, se chamava Conquistadora e era uma escola com uma estrutura maravilhosa, de onde tenho muitas recordações. Atualmente, a prefeitura da cidade fica lá no prédio da antiga escola. 
    Então mudamos para a outra escola privada, escola Concórdia, sendo essa perto de minha casa e onde segui desenvolvendo muito meu lado esportista. Eu amava as aulas de religião, que se chamava vocação.
    Eu era sempre a pivô no handebol, a jogadora mais forte no voleibol e assim por diante. Adorava os treinos, participava de campeonatos, bem como adorava aulas de português, línguas, história, geografia, mas não gostava de ciências, matemática. Lembro-me como se fosse hoje: uma tarde, quando retornava de um treino que acontecia no ginásio do município, que ficava perto de minha casa, avistei de longe as janelas abertas da nossa casa. Eu sabia que meus pais e irmãos não estavam em casa àquela hora, como poderiam estar as janelas escancaradas, se eu as deixei fechadas? Bom, a única hipótese era ladrões terem entrado em casa — ou será que ainda estavam lá? 
    Nessa fase da adolescência, você se acha forte, não tem medo de nada e então convida um vizinho que talvez, por sua idade já avançada, também não pensou muito no perigo e lá fomos nós...Eu e ele, cada um com um cabo de vassoura na mão, entramos na casa, andando como se fosse em ovos, olhando cada peça e nada dos ladrões, mas em cada lugar por onde passávamos havia coisas já separadas em sacolas para serem levadas. E a casa toda bagunçada. Então tínhamos certeza de que eles iriam voltar para buscar. Assim, quando abri a janela da sala, vi um fusca branco estacionando e descendo dele três indivíduos prestes a entrar na casa. Eles me olharam e instantaneamente entraram no carro e saíram em disparada. Claro que hoje eu penso que eu e meu vizinho entramos na casa por pensar que naquele tempo os ladrões lá não usavam arma de fogo, mas poderiam nos machucar ou até mesmo ter uma arma branca, coisas que não pensamos na hora. 
Lá em Giruá o costume era sempre acontecerem os roubos quando não se tem pessoas em casa; já em cidades grandes, eles entram mesmo com você em casa, e, para quem mora em cidade grande, pensar que uma adolescente vai e volta sozinha da escola, chega sozinha em casa, é algo impensável.     Nossa casa foi arrombada no mínimo mais duas vezes e numa delas, além de encontrarmos a casa toda revirada, vimos clara a intenção dos ladrões de levar nosso fusca que estava na garagem, pois tínhamos ido de carona para a granja de meus avós passar o dia. Numa dessas vezes lembro bem o quão triste fiquei, pois haviam roubado todas as joias que havia ganhado de 15 anos. Eu ganhei, sim, com muito sacrifício de meus pais, festa de 15 anos e debut no Clube Aliança, nome do clube da cidade. Quem ajudou a elaborar tudo para a festa foram como sempre minhas amadas tias, as quais sou grata até hoje e somos muito próximas, nos visitamos e nos queremos bem, como já relatei. 
    Minha vida toda, até meus 15 anos, foi de muito esporte, brincadeiras, diversão, jogos com os primos. Tinha muitos primos e morávamos próximos também. Alguns ainda na adolescência se mudaram para Canoas, Santa Maria, Mato Grosso, ou foram para outras cidades para fazer faculdade. Sentia  saudades deles, pois convivíamos muito. Na minha festinha de 15 anos, muitos puderam vir e eu fiquei feliz em reunir toda a família, primos e amigos. Todos estavam lá. 
Hoje em dia ainda tenho em minha casa a filmagem desses momentos, pois consegui passar para CD e as guardo comigo. Lembro que eu não era muito bonita nessa época, pois tinha espinhas e, só para piorar, uns dias antes dos meus 15 anos, a cabeleireira errou o corte de cabelo e cortou acima do ombro, isso que era só para tirar as pontas. Eu era tão magra que até apareciam os ossos próximo ao pescoço, seguia ainda sem corpo de mocinha e tinha espinhas. Não lembro de ter algum apaixonadinho por mim, mas realmente entendo o porquê. Lembro de eu gostar de alguns, mas não ser correspondida. Teve um que era meu colega de aula e eu era apaixonada por ele, lá pelo quinto ano. Só que, para minha tristeza, ele fazia eu entregar presentes para a menina que ele gostava. Paixonites de crianças que nem sabiam o que era esse sentimento.
Minha festa de 15 anos foi bastante comentada na cidade, pois convidamos muita gente, a gurizada toda e fora uns que foram “de furo”, como falávamos na época, quando a pessoa vai sem ser convidada. A festa aconteceu na SAGI, clube com piscina da cidade. Porém, no final da festa, tinha até cadeiras dentro da piscina, o que fez meu pai parar a música e acabar com a farra.  
Lembro-me bem que, nos tempos de festinhas nas garagens (na “aborrescência”), eu ia toda faceira, mas não lembro de ser muito tirada para dançar, não. Tanto é que eu beijei a primeira vez um amigo de um primo, mas após meus 15 anos, e fiquei apaixonada. Mas foi só um único beijo numa festa no Clube Aliança.  
    No término do ensino fundamental, fui estudar na Escola João XXIII para fazer o magistério, curso que muito me agradou, pois desde criança já dava sinais de que queria ser professora. Lembro-me bem de dar aula para as bonecas, escrever com giz numa porta marrom do banheiro lá de casa fazendo de conta que era um quadro negro. Quando criança adorava brincar de loja e dizia que ia ter meu próprio negócio quando adulta. Eu, com meus 9 a 10 anos, já fazia cartões em papel seda e ficava na frente de casa tentando vender por centavos nas datas como: Páscoa, Natal, Dia dos namorados.
    Nessa época lembro muito de uma vizinha que tinha minha idade e brincávamos com boneca, fazendo até batizado e festa de aniversário para elas. Os pais dela eram donos da livraria que ficava na esquina de casa. Também lembro de na minha infância viajar com meus avós maternos para Santa Maria, pois meu avô era de lá e íamos visitar os parentes que sempre se alegravam com nossa chegada. Foram inúmeras vezes, íamos no Corcel II que eu chamava de BMW. Esse carro meus avós conseguiram manter muito inteiro e original até meu avô falecer. Era uma relíquia mesmo. 
Na época do magistério, eu já era bem madura e sabia o que queria; sempre fui líder desde muito pequena, sendo inclusive líder ou vice-líder de turma quase sempre. Uma coisa que sempre tive dificuldade de fazer era decorar falas. Eu me considero ótima em improvisar, nunca precisei estudar muito, mas se tem duas coisas que não sei é mentir e decorar tal e qual. Em uma dessas apresentações de teatro que apresentávamos para as crianças da escola onde cursava o magistério, eu quase enfartei no final da peça ao me dar conta que eu troquei todas as ordens das falas. O que deveria falar primeiro, falei por último e assim por diante. Acho que o que realmente marcou foi:  “o que as pessoas pensaram? Será que deu para entender igual?” 
    Se eu fazia algo errado, ou precisasse falar algo a alguém que podia ser mal-entendido, ou quando ria muito, ou chorava, eu ficava muito vermelha. Teve um tempo na escola que até me chamavam de pimentinha por conta disso. Hoje em dia nas escolas não pode se falar nada que é bullying. Nessa época, lá nos tempos da escola de freiras, se inventavam muitas coisas na imensidão daquele colégio. E uma vez foi inventado por colegas uma história bem cabeluda sobre mim e minha melhor amiga envolvendo os meninos. Pense, quando você estuda em escola de freiras, qualquer coisa relacionada à sexualidade dá pano para manga. Mas o importante é que, quando se tem pais que apoiam e sabem que você não costuma mentir, não tem por que se preocupar. Uma coisa eu tinha, era medo de minha mãe, pois ela era muito brava, mas eu sabia que ela confiava em mim. E então fez-se um rebuliço. Chamaram todos os pais da turma por conta de uma mentira, uma maldade por parte das meninas, que causou até revolta dos meninos que foram envolvidos. Mas, como eu sempre digo, fica na consciência de cada um a maldade que se faz ao outro. 
    Nos tempos da outra escola, chamada Concórdia, acontecia uma coisa muito engraçada, pois eu me achava feinha, mas tinha um colega bonito, mais velho, que sentava na ponta oposta na sala de aula e que todo o tempo queria chamar minha atenção. Eu sempre fui daquelas alunas que se sentam no final da fila na sala de aula, no fundão. Também por ser muito alta para cantar o Hino Nacional, sempre era a última da fila também. Hoje esse colega mora nos EUA e trabalha com música, pois já na época tocava violão, mas realmente acho que ele não gostava de mim, era só para me incomodar mesmo. Eu acho que realmente estava meio apaixonada por ele no meu oitavo ano do ensino fundamental. 
    Naquele tempo se dizia oitava série, eu usava óculos, mas de pouco grau, era mais para ler e então até meus óculos ele escondia. Nessa série eu tive uma professora maravilhosa de língua portuguesa que foi a pessoa a qual eu admirava pelo jeito que ela ensinava. Pensava que queria ser uma profe como ela. Acho até que foi por isso que fiz a faculdade de Letras, por adorar o jeito que aquela professora explicava. Nessa fase eu já estava curada do meu problema de infecção urinária, mas foi um milagre mesmo. 
Lembro uma vez que eu estava muito, mas muito ruim, queimando em febre e chegamos a Santa Rosa no hospital em 6 minutos. Você pensa como é possível chegar num fusca de Giruá a Santa Rosa em poucos minutos, sendo mais de 20 km o destino? Não sei, mas minha mãe conseguiu, pois acho que o desespero era grande.

CAPÍTULO 2


“A verdade de fato sempre será descoberta por mais

que pessoas tentem escondê-la por baixo de panos escuros!”
(Samuel Ranner)

A verdade​

No magistério estava contente por estar me preparando para ser professora. Por outro lado, não estava assim tão feliz por conta de uma coisa triste que estava acontecendo com minha família. Minha mãe querendo separar de meu pai, que sempre foi tudo para mim, mas que nesse momento ele também não tinha meu apoio. Ele havia feito uma coisa e não havia nos contado até começar a chegar a cobrança na porta de nossa casa. Quando tu tens um pai que você sabe que não é mentiroso, mas que apenas omitiu algo importante e está sofrendo por conta de problemas alheios, que agora são seus problemas também, você vira um leão para defender seu pai e mãe. E naquele momento eu não tinha nada para fazer, mas, sim, me recolher, aceitar e tentar lutar por dias melhores, pois todos os dias aquela situação me doía muito. E dói por toda minha vida, pois por conta disso nem uma moradia melhor conseguíamos ter, entre muitas outras coisas. Dói muito quando começa a bater na porta de sua casa, uma vez por mês, um oficial de justiça cobrando teu pai por uma conta que agora era dele. 
    Muitos afirmam que esse mundo é injusto, mas eu discordo, as coisas acontecem para quem permite.     Meu pai foi permissivo, tentou ajudar uma pessoa, mas quem se deu mal foi ele próprio por confiar demais nos outros. Meu pai sempre foi aquele cara que tira a calça para dar ao próximo, e esse tipo de coisa só acontece com pessoas assim. 
Dizem que as cicatrizes familiares são as que mais demoram a curar, e é verdade, talvez uma vida toda, até porque você nunca imagina que um familiar próximo seu possa te fazer mal. E assim foi a história de meu pai, por amor a esse familiar, que desde então eu comecei a rejeitar, meu pai foi 
prejudicado e toda a sua família junto. Quando falo família, digo eu, meu irmão, minha mãe e meu pai. Até agora, escrevendo essa história aqui, me causa um mal-estar, um embrulho no estômago, uma vontade de chorar. Mas o que eu penso hoje em dia é que quem sabe isso tudo que aconteceu só me fortaleceu como pessoa, me tornou uma pessoa forte, positiva, otimista, guerreira e muito batalhadora. 
    O resumo da ópera é que meu pai emprestou seu nome para um familiar conseguir um financiamento, ou seja, o dito cujo não poderia pegar financiamento mais, então meu pai, com nome limpo até o momento, podia pegar esse tal empréstimo. O valor na época do financiamento, lembro como se fosse hoje, dava para comprar cinco carros populares zero km. Esse dinheiro nem saiu do banco, apenas quitou dívidas em nome dessa pessoa que estava endividada e precisava cobrir já outro empréstimo naquele banco. Então meu pai emprestou seu nome, acreditando que o familiar iria pagar o empréstimo mensalmente e nunca imaginou tudo que podia acontecer em sua vida após esse episódio. Ingenuidade total de meu pai, em primeiro lugar em acreditar na pessoa. Em segundo lugar, se a pessoa já está endividada, como irá pagar? 
   Eu sempre digo, é aquele momento de bobeira que todos temos. Ou não? Ou você realmente ama e acredita na pessoa, achando que ela jamais vai te prejudicar e te levar ao fundo do poço. Assim foi o começo da desgraceira toda. Meu pai era agricultor, plantava nas terras de seus sogros e dali em diante não tinha mais crédito em banco nenhum. Então não conseguia ajuda de bancos, como todo o lavoureiro tem para poder financiar sua lavoura. Estava com seu nome sujo, sem ter dinheiro para financiar sua lavoura com dinheiro próprio, e o único jeito foi parar de plantar.
Dessa forma começou a vida de um desempregado, sem conta em banco, sem ser alguém, por muitos anos. Sim, pois quando você não tem nem conta em banco, tem o nome sujo, não tem como dizer que é alguém, pois que oportunidades você tem? O cartão de crédito vai te ligar e te oferecer limite? Tua esposa, mesmo que trabalhe, se quiser comprar um carrinho popular financiado, vai conseguir?     Obviamente que não, pois, quando se casa em comunhão universal de bens, as dívidas de seu esposo são suas também. Mesmo que você consiga adquirir um bem, por menor valor que seja, o banco vai recolher para já abater um pouco da dívida. Você está num mato sem cachorro, sem ter nada e sem poder comprar nada porque pode perder tudo em função da dívida no banco. 
    Por trás de tudo isso, começaram as mentiras por parte de quem meu pai ajudou, dizendo que meu pai se beneficiou, pegou parte do dinheiro. Aí lá vai a filha aqui, como uma leoa, querer saber de toda a verdade com quem trabalhava no banco. Foi constatado que o dinheiro nem saiu do banco, serviu para cobrir uma outra dívida já existente em nome da pessoa a qual meu pai ajudou, conforme meu pai já havia dito. Essa pessoa não podia mais pegar empréstimo e então precisava de alguém que aceitasse pegar em seu nome para cobrir a dívida anterior que estava colocando em jogo até mesmo o cargo do gerente do banco na época. Quando você trabalha em banco, também sofre consequências quando dá financiamentos para pessoas por ser seu amigo e, pior ainda, quando essa pessoa não paga, pode perder o cargo. E assim foi feito, acharam um cara que podia pegar financiamento, que tinha o nome limpo, que infelizmente foi meu pai.  
    Bom, aí o que você faz? Processa o banco? Processa a pessoa que colocou meu pai nessa situação? Envolve as pessoas de dentro do banco que te contaram a verdade?  Aí mil e uma histórias surgem por parte do ajudado, inventando coisas para seus familiares, inventando que não é bem assim e tentando até mesmo inverter a situação, dizendo que meu pai se beneficiou, que ele que ajudou meu pai. Meu pai nunca mais conseguiu seguir na profissão de agricultor. Isso, sim, é muito triste. Quando a pessoa tem lábia, ela convence todo mundo, e a pessoa que sofreu todas as consequências ainda fica, perante os outros, como a mentirosa da história.  Algumas histórias correram por muitos anos, sem até mesmo sabermos, outras ficamos sabendo. Mas tem trechos da Bíblia que falam assim: “Não mentiste aos homens, mas a Deus.” E também outro trecho que diz: “O que segue a justiça e a bondade achará a vida, a justiça e a honra ” e isso para mim é muito importante, pois eu creio e tenho muita fé em Deus.
    Resumo de tudo, por 20 anos meu pai não teve conta em banco nem cartão de crédito e ficou literalmente numa situação difícil, onde imperou a mentira e a desonestidade, ficando incrédulo perante algumas pessoas e até mesmo familiares. Uma coisa meu pai nunca perdeu: o amor dos filhos. Teve tempos de depressão, de humilhação, mas o amor venceu, por ele ser merecedor, pela pessoa que é. Ele pode não ter tido muita paz por causa disso tudo, pois a dívida chegou a milhões por conta dos juros, mas teve amor e, por ser uma pessoa brincalhona, tentou tirar de letra tudo de ruim e lutar por dias melhores com a ajuda de minha mãe. 
Quando eu cheguei nessa parte, juro que eu não gostaria de reler essa história, porque não me faz bem até hoje. Tudo na vida passa e te fortalece, mas o desconforto e as marcas ficam para sempre lamentavelmente. Isso eu digo, não pelos problemas financeiros, mas pela questão sentimental que foi muito ferida. Sentimentos que machucam quando há mentiras, quando há desfavorecimento, por parte de quem não busca se defender, e julgamentos por quem não sabe, ou acha que sabe, o que aconteceu por ter ouvido apenas um lado das partes. Alguns familiares até me julgam, mas eu não me importo com eles e, sim, com a verdade e com Deus me olhando lá de cima e me abençoando todos os dias. Deus é sabedor de toda a verdade, e isso me basta e para meu pai também. O que eu sempre digo para meu pai é que poder se deitar no travesseiro com a alma limpa e a consciência tranquila é o que nos faz seguir em frente. 
    O que foi esperado uma vida toda nunca aconteceu: o pedido de perdão por parte desse familiar. Meu pai mesmo assim perdoou, mas de uma coisa eu tenho certeza, os julgamentos por parte de familiares ele não esquece; as mentiras em volta dessa história também não. O perdão aconteceu, mas as lembranças nunca se apagam. Esse capítulo do livro para mim é muito especial, parece que escrevendo eu consigo amenizar o sentimento vivido por mais de 30 anos.
E não sei se é ironia do destino ou não, mas até meu relacionamento começou de uma forma que envolvia essa história, mas graças a Deus meu esposo, desde que me conheceu, tinha certeza de que eu tinha muito ainda para sonhar e ser feliz e ele é meu maior incentivador de tudo o que eu faço, principalmente na escrita desse livro. Eu sempre acreditei muito em Deus, Deus é tão bom e justo, e nos coloca pessoas boas em nossas vidas, e colocou em minha vida a melhor pessoa que podia ser. O que me deixa muito feliz também é que hoje meus pais estão bem, meu irmão tem uma família linda, uma baita profissão, ou seja, sobrevivemos a tudo e vivemos hoje com muita gratidão.

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